segunda-feira, dezembro 28, 2020

(DIM) Condenações à morte e amores improváveis

 

Nos últimos dias do seu lamentável mandato Donald Trump tem pretendido sair da Casa Branca com um record à medida do seu (mau) carácter: ser o presidente, que terá ordenado a execução do maior número de prisioneiros circunscritos nos corredores da morte dos cárceres federais. Momento oportuno para lembrar Rampage, um filme realizado em 1987 por William Friedkin, porque, se na primeira montagem ele dera-lhe um cunho anti pena de morte, o realizador de O Exorcista logo decidiu infletir o sentido ideológico do filme, defendendo exatamente o contrário, qual pioneiro de uma atitude hoje muitas vezes reconhecível no fascista, que lidera o Chega. Embora haja quem procure incensar Friedkin como uma vítima de Hollywood, convenhamos que este exemplo demonstra eloquentemente o seu perfil abjeto.

A história é a de um homicida (Alex MacArthur), que mata as vítimas para lhes beber o sangue numa espécie de ritual de purificação. Daí que o procurador (Michael Biehn) procure condená-lo à pena definitiva por temer que, libertado ao fim de muitos anos, ele volte à mesma conduta criminosa.

Por motivos, igualmente funestos, faz sentido lembrar Kim Ki-duk, recentemente desaparecido à conta do covid-19. Ferro 3, um belíssimo filme que rodou em 2004, era a história dum solitário, que procurava casas vazias para pernoitar, aproveitando de passagem para arranjar eventuais avarias, regar as plantas ou até dar digna sepultura a velhos encontrados já sem vida.  Tudo se manteria assim se não descobrisse entretanto Sun-hwa, uma mulher infeliz por conta da violência doméstica a que é sujeita. E é a oportunidade de Tae-suk conhecer um grande amor, mesmo que silencioso, mas completamente à margem de uma sociedade, que o deixa indiferente.

No fundo o amor entre Tae-suk e Sun-hwa não difere muito do de Alex e Michêle em Os Amantes do Pont-Neuf de Leos Carax (1991), melodrama romântico em que mais ninguém parece contar senão eles mesmos além do cenário, que lhes serve de lugar de descoberta mútua, mesmo que com sangue e mentiras à mistura. Um filme hoje datado, falhado e heterogéneo, mas que mantém um certo encanto na sua atormentada evolução. 


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