Caso singular o da evolução da rapariguinha vietnamita imortalizada pela fotografia do seu compatriota Nick Ut em 8 de Junho de 1972, quando a sua aldeia foi bombardeada com napalm.
Doravante ilustrativa do que de mais cruel e absurdo tinha a guerra do Vietname, essa fotografia terá contribuído para virar em definitivo o curso da guerra com a opinião pública norte-americana e europeia a condenar a estratégia de Nixon e de Kissinger.
Kim Phuc tinha, então, nove anos e o seu corpo nu estava queimado a sessenta por cento. O irmão, que corria ligeiramente à frente, ostentava a mesma expressão de horror do célebre Grito de Munch.
O documentário do alemão Marc Wiese, datado de 2009, vai encontrá-la no Canadá aonde se refugiou com o marido em 1994, depois de se cansar do seu papel de ícone propagandístico do regime do seu país. E é aí, que toda esta história macabra se torna ambígua, porque o fotógrafo, hoje a residir em Los Angeles, demonstra não ter captado aquela imagem por um sentido crítico particularmente motivado a nível ideológico, mas por mero oportunismo de voyeur, o mesmo com que hoje continua a fundamentar as suas fotografias com Paris Hilton e outras personagens de tal calibre. Depois, porque Kim Phuc poderia ter conservado em si alguma revolta contra os métodos imperialistas, que ainda hoje lhe suscitam dores intensas só aliviadas pelas massagens atenciosas do companheiro. Mas, pelo contrário, apesar de ter sido apaparicada no Vietname, em Cuba ou em Moscovo, ela conservou em si a mentalidade da pequena-burguesia a que a sua família pertencia e cuja matriz de pensamento não se adequaria a um regime capaz de tudo nacionalizar, até o pequeno restaurante dos pais.
Nesse sentido fica a questão de, à distância, se ajuizar se um documento inicialmente tão significativo no contributo para suscitar alterações de dimensão histórica, mantém toda essa capacidade quando os acontecimentos de então já parecem tão distantes e os intervenientes desse instante tão dissociados se parecem das vítimas inocentes de então.
No fundo, quase apetece sugerir que Marc Wiese bem poderia ter deixado Nick Ut e Kim Phuc descansados no quase anonimato em que vivem. Aquilo que representam nesse mítico fotograma só se cinge ao que nele aparece representado...
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