A revisão do filme de Sérgio Tréfaut, quatro anos passados sobre a sua descoberta levanta dois tipos de questões distintas, que então não se punham.
A primeira é o seu efeito de datação: na época ainda a emigração estrangeira em Portugal era assaz significativa e perspectivava-se uma crescente miscigenação entre ela e a população nacional transformando o país num espaço de maior diversidade étnica.
Ora, a crise internacional veio transformar essa expectativa: ouvindo notícias de claras melhorias nos respectivos países, os emigrantes de origem angolana ou brasileira tomam o caminho de regresso. Outros, particularmente os de origem eslava, também retornam na expectativa de arranjarem emprego nas empresas deslocalizadas para os seus lugares de origem.
Nesse sentido, Portugal voltou a bastar-se cada vez mais à sua população tradicional e mesmo assim sem que o emprego chegue para todos. Retoma-se, então, o ciclo bem conhecido de ver partir milhares de pessoas para quem a esperança da sobrevivência se esgotou no seu próprio território e vêem-se obrigadas a ir demandá-la alhures.
Depois, pode-se em jeito de balanço lamentar que Portugal não tenha sabido aproveitar as competências e capacidades de muitos desses homens e mulheres, que vinham acompanhados de currículos académicos prestigiados e acabaram a carregar baldes de argamassa às costas no caso deles e de empregadas de limpeza no caso delas. Suscitando tantos dramas subsequentes, porquanto muitos deles acabaram nas franjas da delinquência ou da desesperante condição de sem-abrigos.
Se tivesse surgido um plano estratégico empenhado em potenciar tais recém-chegados, talvez os problemas de competitividade do país não se tivesse tornado tão complicado.
Mas, no demais, o filme continua actual quanto ao Chico-espertismo de um tipo de pequenos empresários capazes de métodos esclavagistas para melhores rendimentos garantirem a partir destes trabalhadores desprotegidos, ou o comportamento burocrático dos funcionários públicos com quem esses homens e mulheres devem lidar.
Mas, depois da intensa viagem por tantos e diferentes cultos religiosos, a opção mais feliz de Sérgio Tréfaut no seu filme reside na forma como o conclui: com um nascimento de um bébé na maternidade. Demonstrando que, mesmo nas situações mais precárias, surge sempre o desejo de apostar num futuro, que se potencia nessa criança desejada. E já lisboeta desde o seu primeiro dia…
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