domingo, dezembro 27, 2009

«Justiça», filme de Maria Augusta Ramos

O genérico ainda não passou e já temos o tom em que o filme se irá desenvolver: um homem em cadeira de rodas está a ser julgado por, na noite de Carnaval, estar associado ao golpe de uma quadrilha. Embora os gestos o traiam, ele procura convencer o juiz da sua inocência.
Temos, pois, a justiça brasileira ilustrada numa abordagem que muito deve ao norte-americano Fred Wiseman e em que todos os principais actores desse verdadeiro teatro social se vêem representados.
Há, por exemplo, o caso de Carlos Eduardo, que comparece perante uma juíza conhecida pela sua severidade, e acusado de ter um acidente com um carro roubado dois dias antes. Apesar de ter a companheira grávida de sete meses, ele dirigia-se para a praia com três amigas e alega o empréstimo do carro por um amigo, que já o teria há vários meses. A sua história mete água por todos os lados, mas ele encena uma postura de inocência, que nem convence a juíza, nem a advogada oficiosa, decidida, porém, a limitar-lhe a duração da pena. O que não será fácil já que, no seu caso, se trata de uma segunda pena por roubo.
A câmara acompanha Carlos Eduardo na prisão, aonde as condições são tenebrosamente más, e junto da mãe e da companheira. A primeira procura algum conforto na seita religiosa aonde as celebrações divinas correspondem a uma espécie de catarse ruidosa e de exacerbados movimentos. Como se passassem por uma crise de sindroma de tourette.
Quanto à negra Suzana existe nela uma atitude conformada na sua miséria, que se adivinha sempre povoada de gravidezes sem controlo (já vai na segunda!).
Num outro julgamento o professor Geraldo, que até ostenta alguma sensibilidade política (procura um jornal com manifestos anti-Bush!), julga dois rapazes acusados de tráfico de droga e de posse ilegal de armas. Um desses rapazes é quase raquítico e a sua função na favela pareceria ser a de avisar da chegada de polícias com o lançamento de papagaios de papel.
Como contraponto a tais julgamentos encontramos este juiz ou a advogada oficiosa Inês a viverem as suas plácidas existências com as famílias, partilhando com elas as suas opiniões sobre os dramas de que são testemunhas activas. Como é o caso de um outro réu, que se queixa da fome passada na cadeia, já que a alimentação aí fornecida é mínima e a família não lhe serve de nenhum socorro. Por ele e pelos demais réus fica, igualmente, implícita a corrupção larvar, que existe nos polícias e nos guardas prisionais.
No final Carlos Eduardo, o réu cujo percurso mais acompanhamos, acaba condenado a três anos de prisão…
Documento sociológico, «Justiça» é bastante eloquente sobre o estado das coisas num Brasil ainda demasiado vincado pela miséria, pela delinquência e pela incapacidade das instituições…

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