Na recente polémica de Saramago com os seus detractores veio ao de cima um dos momentos do romance «Caim» em que o autor classifica deus de filho de uma senhora pouco dada às virtudes, devido ao seu comportamento brutal em sucessivos episódios bíblicos: quando leva Abrãao a quase sacrificar o único filho só para lhe testar a obediência cega aos seus ditames ou quando põe todos os construtores de Babel a desentenderem-se para não levarem por diante o ambicioso projecto de levarem a sua torre até ao céu.
Temos, pois, um deus intolerante, ao nível do alá mais fundamentalista, que tudo exige sem nada dar senão a promessa de um além mais aprazível.
Poderá ser uma leitura demasiado restrita do texto bíblico, mas nenhum crente poderá negar que Saramago desrespeita o que ali se narra. A não ser o de dar-se a liberdades criativas como a de fazer de Caim o verdadeiro salvador de Isaac, já que o anjo destinado por deus a impedir o homicídio acabara por chegar atrasado ao lugar do sacrifício.
Mas, precisamente por se tratar de Literatura - com L bem grande - ao escritor não se poderá atirar com uma pouco cristã pedra: a construção criativa é feita precisamente de quanto seja necessário alterar para dar maior substância à obra em si. E Caim acaba por se tornar num personagem bem mais interessante desde que engravidou a bela lilith ou salvou o frágil Isaac…
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