domingo, setembro 23, 2007

«O Livro do Riso e do Esquecimento»: As Cartas Perdidas

Ao iniciar a leitura deste livro de Milan Kundera a dúvida que me assiste é esta: ainda fará sentido ler um romance tão datado, porque em clara sintonia com um tempo e um espaço já completamente alterados?
Em 1978, quando ele surgiu, ainda parecia impossível que o antigo Bloco de Leste caísse com tal fragor, onze anos depois.
Para a intelectualidade ocidental fazia sentido questionar o totalitarismo pretensamente comunista ao mesmo tempo que se procurava a forma de o fazer sem uma conotação imediata com o anticomunismo primário inerente aos sectores mais retrógrados do pensamento ocidental…
Kundera era estimulante, porque a forma como contestava o regime checo não era maniqueísta, nem apelava a um totalitarismo de sinal contrário. No regime de Praga ele denunciava a mediocridade de quem se dissociara dos melhores elementos, calados à força de uma repressão violentíssima, que tivera na invasão russa de 1968 o seu clímax. Se o novo regime nascera sob os melhores auspícios e motivado pelos mais generosos ideais, depressa eles se tinham pervertido em nome de uma segurança do Estado definida por um pequeno punhado de dirigentes.
Em «As Cartas Perdidas», primeira das sete partes em que se divide o livro de Kundera, o protagonista, Mirek fora um conceituado cientista a quem o arrivismo condenara à condição de operário da construção civil.
Em vésperas de ter a casa devassada para lhe confiscarem papéis comprometedores, ele procura Zdena noutra cidade: muitos anos atrás amara-a apesar de todos reconhecerem-na como feíssima. E agora quer dela reaver a centena de cartas amorosas, que lhe escrevera com a paixão dos seus vinte anos.
Mas ela, que singrara na carreira política e se tornara numa das principais dirigentes do Partido, nega-lhe esse desejo: essas cartas jamais lhe voltarão a pousar nas mãos...

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