quarta-feira, setembro 26, 2007

«A Dália Negra» de Brian de Palma

Confesso que entre as minhas antipatias de estimação está o escritor norte americano James Ellroy: a sua misoginia e filiação numa perspectiva musculada da política norte-americana colocam-no nos antípodas das minhas próprias opiniões ideológicas.
A história do homicídio da sua mãe, essa Elizabeth Short, que haveria de protagonizar os títulos dos principais jornais de Novembro de 1946, também só me interessa no contexto de um pós-guerra, a coincidir com o início dos famosos «trinta anos gloriosos» de que significava um contraponto.
Estavam os norte-americanos lançados num percurso politico e social, que a todos projectaria para o tal sonho de sucesso, quando a morte desta actriz fracassada vinha desmentir os tais finais felizes.
Se Elizabeth falhara a sua candidatura a uma carreira cinematográfica e acabara grotescamente desfigurada num descampado da cidade dos anjos, também muitos dos que se deixavam perturbar pela história poderiam partir os dentes perante uma aceleração dos processos capitalistas de produção da riqueza sem sequer se conseguir culpar quem quer que fosse por tal vilania.
Mas De Palma não segue essa via: escusando-se a uma mensagem política, seja a de Ellroy, seja a contrária, ele aposta o interesse do filme na abordagem de uma tese verosímil para a morte de Elizabeth. Nesse sentido, o filme só pretende constituir um entretenimento bem construído em torno da intriga policial e do carácter obsessivo da investigação para um dos detectives, que sucumbirá nessa busca da solução.
Há, contudo, um interesse acrescido no filme: uma filiação na representação, que o pintor Edward Hopper construiu a propósito do seu tempo e do seu espaço circundante. A fotografia do filme, em muitos dos seus fotogramas, quase reproduzem o universo desse emblemático pintor da primeira metade do século XX.
Quanto ao desiderato do enigma trata-se de uma tese como qualquer outra. Passados seis décadas já, há muito, terão desaparecido os que terão sabido o que se passou naquela noite de 1946. A exemplo de outros mitos - como os das mortes de Marilyn ou de John Kennedy - a morte da Dália Negra contribui para uma mitologia identitária do próprio tecido cultural norte-americano, que tão escasseado anda deles.
Num país com História ainda tão escassa tem alguma relevância a criação dos seus próprios ícones para superar aquela que foi uma inesquecível sensação de falso, quando penetrei na Catedral de St. Patrick na 5ª Avenida de Nova Iorque: o edifício tinha a forma de Catedral com algo de barroco no seu estilo. Mas aquelas pedras, com apenas dois séculos, se tanto, não tinham a patine dos tempos dos construtores das catedrais europeias...

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