quinta-feira, junho 20, 2019

(DL) Porque Zimler não terá hipóteses de ver os romances traduzidos em polaco


Em «Os dez espelhos de Benjamin Zarco» Shelly regressa à Polónia do pós-guerra para procurar os parentes sobrevivos do Holocausto e só encontra o primo Benny, que leva consigo no regresso aos Estados Unidos, onde encontrara refúgio e por cujo exército combatera na libertação da Europa. Na breve estadia polaca Shelly comprovou a terrível realidade: saídos dos campos de extermínio muitos dos judeus libertados pelos Aliados foram linchados nas aldeias e vilas natais pelos que haviam sido seus vizinhos, os haviam denunciado aos nazis e lhes tinham roubado os haveres.
Basta essa passagem do romance para que Richard Zimler saiba impossível a edição polaca do seu romance face à legislação aprovada pelo governo de extrema-direita para criminalizar quem se atreva a denunciar os factos históricos tidos em Varsóvia como causadores da (merecida) má reputação do país.
Convenhamos que a Polónia merece ser tratada como Estado-pária pelos europeus civilizados face ao seu historial ao longo do século XX e nas duas primeiras décadas deste século. O antissemitismo é uma realidade quase congénita ao seu povo, que não precisou da ajuda dos exércitos hitlerianos para se ter afadigado em progroms  saldados em milhares de vítimas. Mesmo durante o período dito comunista foi notório idêntico comportamento em quem ocupava o topo da hierarquia da governação, ao mesmo tempo que dava toda a liberdade à Igreja católica donde emergiria o sinistro Wojtyla. E, hoje em dia, mesmo com a comunidade judaica reduzida a um punhado de corajosos resistentes, o governo de extrema-direita mantém um discurso antissemita que, visto de fora, é absurdo tendo em conta a quase inexistência de judeus.
Eu sei que haverá quem invoque a Palestina ocupada para legitimar o comportamento do governo de Varsóvia, mas trata-se de injustificada falácia: os crimes hoje cometidos pelo Estado de Israel em Gaza ou na Cisjordânia nunca poderão desculpar os cometidos contra os judeus nos campos nazis ou nas aldeias e vilas polacas no antes, no durante e no depois da Segunda Guerra Mundial. É essa a razão, porque o romance de Zimler é particularmente acutilante na denúncia de crimes, que nunca deverão ser esquecidos.

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