domingo, janeiro 07, 2018

(DL) «O Planeta Neutral» de Poul Anderson

Era um dos meus grandes prazeres de adolescência: a ávida leitura dos pequenos volumes da Coleção Argonauta, que Eurico da Fonseca ia laboriosamente traduzindo e aos quais o mestre Lima de Freitas facultava capas vistosas. No Portugal fascista dos anos sessenta as estórias passadas noutros universos e tempos possibilitavam um escapismo eficiente para quem olhava à volta e não gostava nada do tipo de realidade em que era obrigado a viver.
A recente reorganização da biblioteca caseira possibilitou o regresso às filas da frente de livros há muito esquecidos nas que ficavam mais para trás. Foi o reencontro com títulos que, no passado, me haviam proporcionado gratas  descobertas. Nada mais natural que pegar num deles, como forma de teste para aferir se ainda capaz de devolver algo desse distante passado. Escolhi assim «O Planeta Neutral» de Poul Anderson, cuja edição original datava de 1959  e tinha por título original «Mayday Orbit».
Claro que a satisfação literária foi limitada, mas deu para compreender o que me escapara quando o lera há quase cinquenta anos: embora enquadrado naquilo que se designava como «space opera», o livro refletia bem o ambiente de Guerra Fria, então vigente entre os EUA e a URSS. Embora situado num longínquo planeta próximo do sistema de Betelgeuse, a ação reflete perfeitamente a disputa entre duas superpotências por territórios subdesenvolvidos. Vivia-se o início das descolonizações africanas e o Pentágono e a CIA por um lado, o Kremlin e a KGB pelo outro, procuravam que as novas nações independentes pendessem para um ou outro lado, com todos os golpes baixos à mistura.
Altai, o planeta onde se passa a intriga de «Mayday Orbit», é uma antiga colónia terrestre, mas tão afastada das rotas comerciais e militares dessa origem, que se vira esquecida. Situando-se na órbita de uma estrela em declínio, Krasma, tinha metade dos hemisférios cobertos de gelo e uma cintura tropical com estepes e tundras. No nosso imaginário não é difícil comparar tal descrição com as que se utilizariam a propósito da Sibéria ou das vastidões da Mongólia interior.
As conotações com a realidade soviética não se ficam por aí: a população não tem espírito mercantil e o regime despótico do ditador Oleg Yesuki não a autoriza a conhecer os planetas mais próximos. Enfrentando a revolta de tribos mais a norte, ele está prestes a firmar um acordo com o Império de Merseia para que lhe deem os meios militares necessários para esmagar os derradeiros resistentes contra a sua tirania.
É nessa realidade que se intromete um espião terrestre, Dominic Flandry, do Corpo de Informações Navais do Império Terrestre, incumbido de constatar até que ponto a superpotência rival pode ali montar uma perigosa base, situada em ponto estratégico para melhor prosseguir uma guerra transitoriamente em fase de tréguas.
Claro que, a exemplo do quanto seria desenvolvido nas histórias de James Bond, cujo primeiro filme só surgiria em 1963, Flandry consegue escapar incólume a sucessivos perigos e conquista a bela de serviço, uma rebelde com quem escapara das prisões da ditadura. E, como seria de esperar, é quando a situação se lhe apresenta mais desesperada, que chega a desejada ajuda e o ditador é eliminado.
Maniqueísta até mais não, o livro proporcionou leitura elucidativa de como se formatavam as mentes em função do que nelas se pretendia inculcar.  

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