terça-feira, agosto 25, 2015

DIÁRIO DE LEITURAS: «A Imensa Boca Dessa Angústia e outras histórias» de Urbano Tavares Rodrigues (I)

Nos anos derradeiros da sua vida, Urbano Tavares Rodrigues apostou em textos mais curtos à medida das forças, que lhe iam faltando e da visão, quase perdida. No entanto, lendo os contos do seu derradeiro livro publicado - «A Imensa Boca Dessa Angústia e outras histórias» - tem de se constatar a presença das características fundamentais de toda a sua obra: um posicionamento ideológico sempre em favor dos mais desfavorecidos, um estilo simples e depurado, mas onde ressalta uma evidente riqueza lexical; e uma sensualidade omnipresente, quase sempre a interagir com a expressão genuína dos afetos.
No entanto, perante a iminência do fim, Urbano coloca, logo no primeiro conto (o que dá título ao livro!), a questão da angústia. Euclides, o protagonista, passeia-se por todos os continentes sem em nenhum deles encontrar paliativo para as súbitas crises, que o prostram.
Em «Mais um Fado no Fado» a doença está omnipresente e o narrador goza os derradeiros prazeres carnais no corpo generoso de uma pintora, dentro de quem ansiaria morrer.
Existe, igualmente, a questão de Deus existir ou não, o que não deixa de surpreender num autor em quem apostávamos a convicção firme na sua total inexistência. Mas Sálvio, o personagem de «Encontro com um Deus instantâneo», consegue sossegar quanto à inquietação de o saber por perto.
Aqui e além, os pequenos textos refletem a intenção da autobiografia, como ocorre em «À Procura de Mim»: o narrador tem um percurso idêntico ao do autor, com o nascimento no Alentejo, em família privilegiada mas ciente  das injustiças sociais, e um posterior empenhamento jornalístico, sempre com a ditadura à perna. Mas a  efabulação apodera-se da história e ei-lo convertido em ator de teatro e em piloto aviador. Seriam vocações em tempos almejadas por Urbano e que ficaram por experimentar?
Em «No Ardor das Chamas» o narrador e o irmão arriscam-se a saltar para as chamas de um terreiro de candomblé, chamuscam os pés, mas … arranjam namoradas. 
Algo de semelhante ao que parece suceder-lhe em Rostock, na antiga Alemanha de Leste, onde vai apresentar a tradução de um romance seu e acaba nos braços da capitosa Bárbara, que lhe servia de guia. Está tudo no texto «Andanças pelo Norte do Sonho com Bárbara tão Amada».
Outra história, que muito deve ao mundo dos sonhos, embora iniciando-se de forma autobiográfica, é «A Feiticeira do Azul»,  passada na Póvoa do Varzim, no decorrer de um dos seus encontros literários. Após passar umas horas em amena convivência com o diretor do «JL», eis o narrador estranhamente envolvido em experiência erótica com uma mulher azulada, muito provavelmente uma sereia liberta momentaneamente do cárcere marinho. Compreendendo, no final, que se deixara levar pelo cansaço e adormecera num banco junto à praia.
Dentro da mesma lógica surge «Navio Perdido num Golfo de Luz» em que um navegador, incapaz de ter encontrado o amor nas muitas mulheres com quem se deitara, vai parar a uma espécie de Ilha dos Amores, onde um autêntico harém faz dele macho cobridor. O que o leva a querer fugir, ciente de não poder aguentar por muito tempo aquela provação.
O sonho pode, porém, significar o regresso a um espaço perdido, como ocorre a Camilo Ventura, protagonista de «Na Cidade Aberta como um Coração», que se vira injustamente acusado de atentado ao pudor, sendo por isso preso. Conseguindo fugir, vive dolorosamente o exílio até se saber inocentado e poder regressar.
O sonho, a divagação surrealista, é outra das tentações criativas do autor como se verifica em «As Vertiginosas Geometrias da Cidade Abstrata», a história estranha de um tal Idálio Sepúlveda, que chega a um espaço urbano desconhecido, onde começa por se ver alvo de indiferença, e acaba agredido. Mas não se tratará de uma metáfora aplicável a todas as ditaduras?
Algo absurda, mas ideologicamente esclarecedora a história de «Os Merdosos» em que uns jovens miseráveis são vestidos como príncipes e levados a uma festa num palacete do Campo Grande, acabando quase todos por vestir a farda do patamar social em que os tinham mascarado.
Mas as histórias resultantes de divagações nem sempre acabam bem como vemos em «Curvas e Contracurvas», onde o narrador tem um acidente de automóvel e vai parar a um aparatoso mundo irreal onde, apesar da tentação erótica de um ser alado, não se consegue adaptar.

1 comentário:

Anónimo disse...

Heis uma analise que preenche, que visita a obra, a biografia e tambem para o ideario de Urbano. Belo texto!