quinta-feira, agosto 27, 2015

DIÁRIO DE LEITURAS: «A Imensa Boca Dessa Angústia e outras histórias» (II)

A coerência ideológica sempre foi uma das grandes características de Urbano Tavares Rodrigues. Muito embora reconhecesse a distância entre a teoria generosa, que perfilhava, e as sangrentas praxis, a ela associadas, o escritor nunca deixou de defender uma sociedade diferente, onde a desigualdade de direitos e de rendimentos não atingisse limiares tão obscenos como os do capitalismo selvagem desta fase das nossas vidas.
Essa ânsia de utopia quase se assimila a um sonho infantil, como o que transparece em «Pézinhos de lã», personagem que acaba a construir “a cidade dos sonhos, onde todos comiam, bebiam e folgavam e se pareciam uns com os outros, irmãos da luz e da alegria”.
A impossibilidade de ver realizada a sua utopia levou-o a conjeturar estratégias dissonantes com as da ortodoxia comunista: em «Sarabanda da Morte» manifesta simpatia pelo assassino em série de governantes, parlamentares e de quem os manobrava na sombra. Mas ele acaba por se cansar de tanta morte e decidir-se por um último atentado suicida.
O fascínio pela revolução surge, pois, associado a alguns comportamentos niilistas, como testemunhamos em «A Nova Caverna» , onde os insatisfeitos esquecem estratégias falhadas e não temem manifestar o descontentamento através de catástrofes sociais, cientes de nelas por vezes germinar a fraternidade.
A Valentim Borges, rico, jovem e belo, mas eterno insatisfeito, e por isso sempre em deambulações a conhecer gente diferente pelos “limites improváveis desta terra velha e cansada”, o autor aconselha: “Faz dessa gente uma matilha de rebeldes capaz de incendiar a terra para depois construir a verdadeira humanidade”.  (em «O Trotamundos»)
Mas também sucede que a aparente deceção do autor perante a imobilidade política e social dê azo a algum otimismo: como o do cão, que ladra, e também morde um dos membros da troika. Ou o antigo prisioneiro de «No Calabouço», que acaba a receber a Legião de Honra sob o Arco do Triunfo.
Pode-se concluir que Urbano Tavares Rodrigues terá sentido deceção pelo tipo de sociedade em que viveu os seus anos crepusculares, mas nunca deixou de acreditar numa Revolução capaz de tornar exequível o desejo coletivo da felicidade. 

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