domingo, agosto 30, 2015

DIÁRIO DE LEITURAS: «Os Extremos» de Christopher Priest (I)

O meu gosto pela ficção científica vem do tempo das traduções de Eurico da Fonseca para a coleção Argonauta. Viviam-se, então, em pleno as aventuras das missões Apollo e perspetivavam-se como possíveis as viagens interplanetárias já para este século.
As realidades orçamentais e o fim da Guerra Fria fizeram-nos chegar ao ponto em que estamos: conformados com a probabilidade de tal hipótese só se concretizar daqui a uns quantos séculos.
Por isso mesmo o género foi mudando, com o abandono da antecipação científica e a exploração de outras vias que implicaram, igualmente, uma maior preocupação literária do que propriamente imaginativa.
No caso de Christopher Priest a intenção de conciliar a consistência da história com um estilo mais exigente, tornaram-no num dos escritores mais reconhecidamente talentosos no género. E com a exploração do potencial filosófico de uma eventual evolução das tecnologias relacionadas com o entretenimento.
A protagonista do seu romance «Os Extremos», datado de 1998, é Teresa Ann Gravatt, que cresceu numa base aérea inglesa e, aos sete anos, tinha um espelho por onde imaginava ver outro mundo.
“Para ela, o mundo que conhece é um sítio, e aquele que imagina é outro diferente” (pág. 8)
No espelho ela vê uma sala idêntica àquela onde está e outra rapariga exatamente igual a ela, mas a quem chama Megan.
Mas, um dia, pega na pistola que o pai guarda na gaveta de um armário e dispara contra o espelho. “Uma pequena vida de sonhos chega subitamente ao fim”. (pág. 11)
Damos, então, um salto no tempo para a encontrarmos com 43 anos, a trabalhar para o FBI, mas a sofrer o desgosto de ter perdido o seu amado Andy - colega de profissão - num tiroteio no Texas.
Ficando de licença durante algumas semanas ela decide voltar às paisagens da sua infância, alojando-se num pequeno hotel - o White Dragon -  em Bulverton, uma aldeia costeira do Sussex.
Mas a sua presença ali não tem nada a ver com a necessidade de descomprimir do seu desgosto ou reencontrar a satisfação propiciada pela nostalgia de uma infância perdida: no mesmo dia em que Andy morrera, também ali ocorrera um massacre semelhante, como se existisse algum elo de ligação entre os dois psicopatas homicidas.
Em Nick Surtees, dono do hotel, ela encontra alguém que vivera esse acontecimento indiretamente, pois vivia longe dali, e só regressara porque os pais tinham figurado entre as vítimas. Tomar conta do negócio familiar representara para ele uma solução óbvia.
Mas é em Amy, a companheira de Nick, que Teresa encontrara alguém com conhecimento direto do sucedido: ela fora uma das sobreviventes da tragédia em que um homem armado chamado Gerry Grove parecera ter enlouquecido no centro da cidade e começara a disparar sobre todos quantos avistava, incluindo nos que conduziam os veículos que por ele passavam.
Para Teresa o contacto direto com crimes decorrera sobretudo dos testes realizados num simulador do FBI, onde os agentes treinavam as suas reações em cenários de homicídio: “A primeira experiência extrema durou exatamente sete segundos, e durante esse curto período de tempo, Teresa ficou fascinada e desorientada com aquela inundação de sensações. Algumas eram físicas, outras mentais.”
No próximo texto iremos ver como Teresa decide investigar quem era esse Gerry Grove... 

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