quinta-feira, agosto 06, 2015

DIÁRIO DE LEITURAS: «Na Minha Morte», um divertimento de William Faulkner

É talvez a obra mais célebre de Faulkner, aquela que o escritor considerou como fruto de um impulso capaz de a criar em seis semanas sem ter revisto a mínima palavra, o que é literalmente falso (de acordo com o que vemos no manuscrito), mas verdadeiro em teoria: é indubitável que se trata de uma obra preexistente antes de ter chegado à forma escrita, estando já inteiramente concebida na cabeça do escritor antes de a ter começado a verter para o papel.
Pouco antes, em 1929, fora publicada «O Som e a Fúria». É em função dessa precedente obra-prima, que se torna necessário abordar «Na Minha Morte» como se entrássemos numa capela depois de termos passado pela nave da catedral.
Temática, e sobretudo tecnicamente, a obra é uma espécie de epifenómeno, uma excrescência que nunca deveria ter chegado a escrever se não tivesse havido a perturbadora experiência da criação de «O Som e a Fúria». Isto quer dizer que, para Faulkner, não houve qualquer semelhança entre o trabalho para uma e outra obra, correspondendo «Na Minha Morte» a uma espécie de divertimento levado a eito por um virtuoso.
«Na Minha Morte» é uma pequena joia, que integra o lote das obras mais representativas do  que Faulkner conceptualizou como característico do condado de Yoknapatawpha, reencontrando-se aqui algumas personagens já conhecidas noutros seus livros, anteriores e posteriores a este.
Valéry Larbaud considerou-o um romance sobre costumes rurais impondo-se a sua leitura logo ao nível mais acessível.
De início temos a quinta de uma família de brancos pobres, situada no topo de uma colina com vista para o Mississipi e a quarenta milhas da capital do condado, Jefferson, onde Anse Bundren prometeu ir enterrar a mulher.
Addie não tarda a morrer e logo o filho mais novo, traumatizado,  a associa ao peixe que acabara de apanhar e que já cortara em bocados ensanguentados.
À cerimónia funerária comparecem os vizinhos sem se se aperceberem dos buracos escavados no caixão pelo pequeno Vardaman que aproveitara a noite para executar essa tarefa, a seu ver imprescindível para que a mãe pudesse respirar.
Como detetou Jean-Louis Barrault, Addie é a rainha, a mãe totémica. Anse, o marido, é o rei sensível e preguiçoso, que lembra um Ulisses manhoso, que aposta na compaixão alheia. Já acontecia em «O Som e a Fúria» e repete-se aqui o mesmo esquema familiar vivido por Faulkner .
Maravilhosamente bem escrito, este romance merece ser lido sem pressas, apreciando linha a linha a excelência da escrita do autor.

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