quarta-feira, abril 08, 2015

DIÁRIO DE LEITURAS: «Os Cadernos de Platão» de Peter Ackroyd (2ª parte)

No primeiro texto de abordagem deste romance de Peter Ackroyd já concluíramos qual o objetivo do autor: a partir de uma sociedade por ele imaginada num futuro muito longínquo, conseguir uma sátira inteligente quanto aos usos e costumes da nossa civilização (designada como a «Época da Toupeira»), pondo um sábio a perorar sobre quanto conseguira apurar a partir do estudo dos documentos resgatados do apocalipse entretanto verificado.
Segundo esse Platão, reconhecido como o grande orador do seu tempo, o grande cómico da Época da Toupeira fora Sigmund Freud, que tinha por hábito fazer apresentações dos seus números burlescos na companhia do seu assistente, Édipo. O tema era invariavelmente a sexualidade: “Foi várias vezes sublinhado que o Povo da Toupeira se preocupava com a atividade sexual acima de qualquer outro princípio da vida; existem até algumas provas que sugerem que eles se identificavam a si mesmos em termos da sua orientação sexual” (pág. 80)
A cidade de Londres também não escapa às  singulares elucubrações de Platão a partir do conhecimento obtido através do  filme «Frenzy» de Alfred Hitchcock: “Nenhuma história da Toupeira referia este fenómeno, o que serve para sublinhar que o nosso conhecimento do passado é, na melhor das hipóteses, conjetural. Através de uma cautelosa interpretação destas imagens, no entanto, delineámos um modelo da antiga Londres no qual cada quatro estradas vão dar a um jardim, onde era distribuída comida gratuitamente.” (pág. 93)
Ainda que escutado com respeito, e até veneração, Platão sente-se inseguro com o conhecimento  intuído desse passado. Dialogando continuamente com a sua Alma, confia-lhe as dúvidas sobre quanto conjeturara. Mas esse duplo de si tenta dar-lhe um eficiente paliativo: “Deixa-me pôr as coisas desta maneira. E se fosse suposto estares enganado? E se essa fosse a única maneira de preservar a confiança do mundo presente?» (pág. 94)
Ao verem-no a falar sozinho consigo mesmo, já que a Alma do amigo é-lhes invisível, Sidónia e Ornates inquietam-se. Será que, porventura, ele estaria a perder o juízo?
É nessa altura que Platão irá fazer a viagem mais determinante da sua vida: sem saber como, entra no submundo através de uma caverna, pela qual acede a um mundo onde ainda há noite e dia, com estrelas no céu e pessoas quase com metade da altura das atuais. E que não o viam a passear-se por entre si, porque uns e outros viviam em dimensões diferentes.
Conclui Platão: “E assim continuavam as suas vidas. Não tinham maneira de saber que a sua Terra estava numa grande caverna sob a superfície do nosso mundo. O céu deles era um teto de uma gruta, mas para eles era o limiar do universo. Eu estava a caminhar por entre os cegos. Contudo, quando à noite me virava para a brilhante face do paraíso da Toupeira, também eu ficava hipnotizado por ela”. (pág. 111)
Na terceira e última parte da abordagem a esta obra de Peter Ackroyd, ir-se-á concluir que Platão conhecerá grandes dissabores por se ter arriscado em tal viagem. 

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