domingo, abril 19, 2015

DIÁRIO DAS IMAGENS EM MOVIMENTO: «Heimat» de Edgar Reitz (2013)

Jakob Simon, o protagonista de «Heimat», constata que os vizinhos, quando partem, levam tudo consigo, até mesmo os penicos.  “”Eu partirei sem nada”, é a sua aposta. Não levará malas, nem ferramentas, nem os utensílios com que se preparam as salsichas de batata - em suma, os patéticos bens que enchem as carroças dos emigrantes de Hunsrück, uma região da margem direita do Reno, onde fica Schabbach, a aldeia onde sempre viveu a família Simon. Mas não se esquecerá dos livros nem de uma côdea de pão negro.
A meio do século XIX, entre 1842 e 1844, o clima desfavorável, as más colheitas e os abusos da aristocracia originam um enorme êxodo dos camponeses de Hunsrück,  fartos da miséria e frio. Famílias inteiras optam por uma viagem sem retorno para o Brasil, que veem como autêntico eldorado, tal qual lhes fora descrito pelos agentes do imperador D. Pedro II, que andavam pelas tabernas a pagar copos e a arengar sobre amanhãs que cantam sob os trópicos.
Trata-se de um episódio histórico, pouco conhecido para quem julgava só ter havido emigração de alemães á conta das perseguições do III Reich. E que Edgar Reitz achou particularmente oportuno nesta altura em que a Alemanha tem sérios problemas demográficos, que justificam o fascínio dos emigrantes económicos oriundos da Ásia ou da África.
Jakob quase se vira expulso de casa pelo progenitor, que se fartara das desculpas do filho mais novo para faltar ao trabalho nos campos, quando todos os aldeãos se empenhavam na colheita de batatas.
O ferreiro Johann Simon ameaçara: “Eu dou cabo de ti se te volto a apanhar!”. Mas de pouco lhe vale deitar fora os livros, que apanha ao rapaz, porque ele passa o tempo a sonhar de olhos fechados para melhor imaginar as paisagens descritas nessas páginas, que devora, e por onde aprende os dialetos dos índios brasileiros.
Interpretado por Jan Dieter Schneider, Jakob é um herói romântico por excelência. Filho de camponeses, integra a primeira geração alfabetizada da região depois de se ter visto anexada pelo vizinho prussiano.
No vocabulário dos aldeões ainda sobram muitas expressões francesas e um velho tio canta temas republicanos do tempo em que a região, conquistada por Napoleão, estava integrada na França.
Em Jakob encontra-se a comunhão com a natureza, a aspiração pela liberdade, um amor contrariado e o gosto pela ciência.
Estão aqui presentes as características fundamentais do romantismo, mas diluídas num ambiente de grandes privações.
Chega o inverno e ele torna-se particularmente funesto com a morte de sete crianças num só dia em Schabbach. O enterro coletivo com as silhuetas negras enfileiradas numa ponte coberta de neve a cruzarem-se com mais uma caravana de emigrantes constituem duas linhas oblíquas, que ilustram o momento visualmente mais fascinante do filme.
Para encerrar o seu projeto Edgar Reitz decidiu-se pela versão em cinema em vez da televisiva, que tanto sucesso obtivera nas décadas anteriores. Em vez do século XX, apostou numa prequela a preto-e-branco e em cinemascope, que confere aos fotogramas uma ilusão de tridimensionalidade.
O resultado é magnífico! 

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