domingo, março 22, 2015

DIÁRIO DAS IMAGENS EM MOVIMENTO: «Crónica de Anna Mgdalena Bach» de Straub (1967) - I

Após a conclusão do allegro nº 1 do 5º Concerto Brandeburguês ouvimos a voz de Anna Magdalena Bach: “era mestre de capela, diretor das músicas de câmara na corte de Anhalt Köthen”.
Segue-se o prelúdio oitavo do “Pequeno Livro de cravo para W.F. Bach” e o segundo minueto  do “Pequeno Livro de cravo para A.M. Bach”.
Duas pausas no comentário. A apresentação de documentos e uma sonata para viola de gamba concluirão a primeira das seis bobinas, que integram o filme.
Todo o argumento obedece a esta lógica: longos planos imóveis com os músicos em guarda-roupa da época, com exceção de algum ligeiro travelling para a frente ou para trás, até mesmo lateral.
A quarta bobina inicia-se com o diálogo entre três conselheiros e reparos do cantor. Assim como algumas cenas raras (no refeitório, no escritório de um reitor, na casa de Bach) a intercalarem-se com as dos músicos a executarem as peças.
Há planos breves  e subjetivos (uma praia no mar do Norte, folhagens) a criarem novidade nesse jogo de estruturas. A escolha da música respeita bastante a cronologia com o comentário a concluir-se assim: “E subitamente os seus olhos pareceram melhorar, a tal ponto que, uma manhã, ele pareceu capaz de voltar a ver e suportar a luz. Mas algumas horas depois foi surpreendido por uma hemorragia, seguida de uma forte febre, que, apesar dos cuidados de dois dos melhores médicos de Leipzig, o fizeram sucumbir doce e santamente durante a noite”.

«Crónica de Anna Magdalena Bach» foi a segunda longa-metragem assinada por Jean Marie Straub, graças ao apoio financeiro de Alexander Kluge e Volker Schlöndorff, que conseguiram reunir 300 mil marcos depois da recusa de apoio estatal. E ficaria como o primeiro filme a, verdadeiramente, tomar a música como seu objeto.
Aos «Cahiers du Cinema» explicaria Straub: “O ponto de partida era o de experimentar um filme onde a música não seria utilizada como acompanhamento ou comentário, mas como um material estético”. Ele inseria-se, pois, na continuidade da obra do realizador, que sempre deu muita atenção  à vertente sonora feita de palavras, de sons “puros”, de ruídos ou de música.
A exemplo de Bresson, Straub é um dos primeiros cineastas a explorar os recursos da banda sonora e a enfatizar a dialética do silêncio e do ruído, com ou sem imagem.
O filme é apresentado como uma biografia de Johann Sebastian Bach contada pela esposa. O texto é uma colagem e uma montagem de cartas, de contas da corte de Köthen,  do regulamento da escola de São Tomás de Leipzig e de fragmentos do discurso fúnebre  escrito por Philipp Emanuel Bach. Com algumas breves transições escritas por Straub e por Danièle Huilliet.
Esse texto é o único a guiar-nos temporalmente na história, já que as imagens furtam-se a  dar-nos algum apoio adicional. 

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