sábado, setembro 17, 2011

Livro: «Nada a temer» de Julian Barnes (3)

Um dia também as actuais religiões dominantes serão abandonadas, completamente reduzidas à dimensão de pequenas seitas resistentes.
Se o Homem necessita de acreditar em seres omnipotentes, omniscientes e omnipresentes, já sepultou e inventou todo o tipo de deuses. E muitos outros acabarão por surgir em função das mudanças verificadas nas sociedades futuras.
Se hoje qualquer crença animista parece ser apanágio de seres primitivos, tempos houve em que os homens acreditavam sinceramente nessas cosmogonias.
E, como prosélitos de tais religiões, praticaram milhentas modalidades diferentes de rituais, incluindo os muitos crimes executados em seu nome. Porque, lembrava-o o José Saramago, tantos foram as torturas e assassinatos levados a eito por gente tida por muito piedosa. Que continuam a andar por aí como demonstraram nesse 11 de Setembro ainda agora relembrado...
E, no entanto, a vida pode ser tão simples se nos cingirmos à interpretação científica de todas as nossas dúvidas. Se Schopenhauer considerava a inteligência inversamente proporcional à simplificação do mistério da vida, tenho de reconhecer a preferência por um estado inferior de conceptualização das coisas. Porque nem o pessimista militante, que ele foi, me seduz enquanto mestre de pensamento, nem a vida pode ser encarada de uma forma torturada, que nos predisponha à infelicidade.
Dentro das circunstâncias em que nos movimentamos, temos a obrigação para connosco de nos fazermos tão felizes quanto possível.
Sejamos, pois, racionais e adoptemos as perspectivas de explicação das grandes questões, que tenham alguma coerência e não adiem para futuros improváveis o dever de agir inerente ao nosso presente.
Na sua fugacidade, o presente é a nossa única realidade. As memórias são incertas: muito mais aquilo que dela mistificamos, do que a consonância com uma verdade absoluta quanto à natureza dos actos e pensamentos vividos. Por isso, no livro de Julian Barnes, ele e o irmão recordam de forma diferente os acontecimentos por ambos partilhados.
É que se as mesmas pessoas conservam lembranças completamente distintas do vivenciado, elas próprias vão mudando e alterando completamente a selecção do que consideram importante. É assim que o sentimento muito profundo de um determinado acontecimento acaba por ser completamente esquecido em relação a algo, que na época em questão não pareceria ter assim tanta importância, e depois é relembrado em todas as circunstâncias físicas supostamente então presentes. É como se sentíssemos o sabor, o odor, os sons envolventes desse algo subitamente revalorizado.
Sem enveredar por essa linha interpretativa, Barnes permite a implícita conclusão de pouco importar essa morte, que não devermos temer, já que, ao longo das nossas vidas, morremos e renascemos continuamente. Tornando-nos outros, mesmo sentindo-nos formalmente os mesmos...

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