A lógica dos filmes biográficos, sobretudo se tratados como produtos de consumo concebidos a partir de uma estratégia hollywoodesca, manda subestimar a verdade dos factos em relação aos efeitos dramáticos, que alguma liberdade criativa poderá suscitar.
A vida de Modigliani sujeita-se a essa deriva inventiva, tanto mais que a vida curta e monótona do pintor - marcada pelo alcoolismo e pela toxicodependência - tenderia a fornecer matéria insuficiente para o argumento. Então empola-se uma suposta rivalidade com Picasso, que a realidade parece desmentir. Mas, como diria John Ford, entre a realidade e a lenda opta-se por esta última, nem que seja inventada às três pancadas por um argumentista e realizador conhecido por ser um artesão mais ou menos habilidoso na arte cinematográfica.
O filme começa com o rosto sofrido de Jeanne, por quem iremos ser guiados na história do seu companheiro, acabado de sucumbir à tuberculose.
Estamos em 1919 e ela reivindica tratar-se de uma história de «amor verdadeiro», tanto mais que já conta com uma filha ilegítima dessa ligação tão odiada pelo seu progenitor. Que nunca a poderá aceitar ou não se tratasse Amedeo de um reconhecido judeu e boémio, pródigo em noites passadas em bares e restaurantes, na companhia de outros artistas contestatários aos valores dominantes: Picasso, Rivera, Cocteau, Utrillo, Soutine, Kiesling, etc.
Jeanne fora sua aluna em desenho e a paixão por ele fora tão avassaladora, que se dispusera a abandonar o lar de católicos devotos, para partilhar as condições miseráveis do seu atelier.
Mas Amedeo é demasiado egoísta para pensar no seu bem-estar. Entre o seu modo de vida e o apelo às virtudes familiares, que ela implicitamente sugeriria, a opção é sempre pela primeira hipótese.
Em desespero de causa, e perante o risco de lhe ser retirada a custódia da filha, Jeanne vai procurar Picasso para que ajude Modigliani a tornar-se mais conhecido e a conseguir, portanto, viver mais folgadamente da sua arte. Mesmo sabendo quanto o companheiro detesta o catalão, já apostado numa sobranceria, de quem sabe estar a construir uma obra para perdurar no futuro.
No entanto, quando um desacato o leva à prisão, é esse mesmo Picasso quem lhe paga a fiança para ser libertado. E até o leva até à casa aonde o velho Renoir passa os seus últimos dias…
A possibilidade de uma exposição individual de nus femininos apresentada pela corajosa Berthe Weill seria o passaporte para a desejada aclamação da sua obra, mas a polícia encerra-a em nome dos bons costumes. Grávida do segundo filho do pintor, Jeanne sofre o desgosto de ver o próprio pai a entregar a filha à assistência social.
Nas semanas seguintes a rivalidade com Picasso só se intensifica e ambos acabam por concorrer ao novo concurso do Salon des Artistes. Mas, no dia da inauguração, Modigliani sente uma súbita propensão para o desastre: depois de ir buscar a licença de casamento com que pretende surpreender Jeanne, vai para um bar e bebe repetidamente até mais não poder, saindo sem pagar a conta. O resultado é uma violentíssima agressão, que só lhe apressará o fim. Levado para o hospital é aí que morre, acompanhado de Jeanne e dos amigos mais fiéis.
Desesperada pelo vazio, que se instala em si, Jeanne precipita-se do alto de um edifício, matando-se juntamente com o filho quase em vias de nascer. E prevendo a Picasso, que ele jamais deixará de ter presente aquele rival tão precocemente desaparecido...
A consagração do pintor só viria a registar-se nos anos seguintes, ganhando relevância enquanto um dos projectos artísticos mais inovadores desse primeiro quartel do século XX.
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