quinta-feira, setembro 29, 2011

Filme: MEIA NOITE EM PARIS de Woody Allen (2011)

O sortilégio das doze badaladas da meia-noite vem das histórias ancestrais e continua a servir os propósitos criativos de realizadores e escritores carecidos de uma pitada de magia para acrescentarem às suas histórias.
No caso deste filme de Woody Allen o resultado é excelente, enriquecendo-o com uma ambiência, que faz dele um dos grandes títulos da filmografia mais recente do autor.
As primeiras imagens fazem temer o que se lhes seguirá: durante largos minutos somos confrontados com planos curtos de várias zonas emblemáticas de Paris, de dia ou de noite, com sol ou à chuva. O carácter de encomenda pelos promotores da capital francesa parecia uma evidência. Mas surgem então os protagonistas: Gil e Inez, que vieram à boleia dos pais dela, ali vindos em negócios, e que aproveitam para uma derradeira viagem antes de formalizarem o planeado casamento.
Mas as diferenças que os separam são abissais logo de início: Gil quer abandonar a bem sucedida carreira de argumentista cinematográfico para se radicar em Paris a escrever o romance há muito idealizado, enquanto Inez pretende instalar-se em Malibu, numa mansão com piscina e com a qualidade de vida propiciada pelos estúdios de Hollywood aos seus mais conceituados colaboradores.
Os pais dela também não ajudam: John é um ardoroso defensor das posições mais extremadas da direita republicana enquanto Helen vive para a compra de jóias ou de antiguidades.
A complicar mais a situação surge outro casal: Paul vem dar uma conferência na Sorbonne e é um pedante por quem Inez se sente embeiçada desde o liceu enquanto Carol, a esposa, sai rapidamente de cena graças a uma gastroenterite.
Numa noite mais bebida, Gil deixa Inez entregue a Paul e a Carol e erra pelas ruas de Paris. À meia-noite surge uma limusine, com estranhos a convidá-lo para uma boleia, que o deposita nos (para ele…) fascinantes anos 20, com Scott Fitzgerald e Zelda a servirem-lhe de anfitriões para lhe darem a conhecer Cole Porter ou Ernest Hemingway.
Nos dias seguintes o comportamento de Gil vai-se tornar cada vez mais estranho para Inez, que não tarda a tomar Paul por amante. Indiferente a esse caso, Gil mergulha todas as noites no universo parisiense de oitenta anos atrás com Gertrude Stein a ler-lhe criticamente o romance e a bela Adriana, amante de Picasso, a surpreende-lo com a sua beleza.
Se o coração de Gil se alvoroça com essa criadora de moda, as noitadas vão-lhe servindo para conhecer outras personalidades não menos fascinantes: Matisse, Alice Toklas, Dali, Man Ray ou Bunuel.
Bem pode o desconfiado John contratar um detective para seguir o potencial genro nas suas surtidas, que nunca conseguirá resultados: o pobre investigador perder-se-á numa das fronteiras temporais, que se abrem à meia-noite. E Gil abdica de Adriana, quando a vê, frustrada com os anos 20 do século XX; optar por ficar na Belle Époque aonde Toulouse Lautrec, Gauguin ou Degas a poderão apoiar na carreira de criação de guarda-roupa para bailados.
O epílogo surge com toda a lógica: Gil fica em Paris, rompendo definitivamente com Inez e abrindo perspectivas de futuro com a doce Gabrielle com quem tem afinidades musicais. Talvez nunca chegue a ser o grande escritor, que desejaria vir a ser, mas também ganha a lucidez de quem enterra definitivamente as absurdas ilusões mistificadoras a respeito de um tempo, que como todos, terá os seus encantos e desencantos…

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