domingo, setembro 27, 2009

A CASA DE BERNARDA DE ALBA

A produção de «A Casa de Bernarda de Alba», que o Teatro da Terra apresentou nas instalações do Teatro Meridional, levanta a sempiterna questão de se saber para que serve uma obra de arte. No caso em concreto, porque se apresenta esta peça em detrimento de uma qualquer outra.

É claro que a obra de Lorca - a última por ele escrita antes de ser fuzilado no mês seguinte - tem esse valor histórico, que justifica plenamente a sua apresentação no Teatro Nacional ou num Teatro da Cornucópia, que tem substituído com grande vantagem o que se vai fazendo nas salas do Rossio no que diz respeito à divulgação dos grandes textos dramatúrgicos da civilização ocidental.
Mas o que se espera de um grupo de teatro independente não é propriamente isso, por muito que nele possamos aprovar a encenação de Maria João Luís e da generalidade das interpretações com natural destaque para os desempenhos de Custódia Gallego ou de Ana Brandão.
Ao invés aguarda-se por proposta, que sirva de caixa de eco para as preocupações dos nossos dias, questionando-as de acordo com estéticas inovadoras em ruptura com as abordagens mais tradicionais.
Ora, apesar de lhe reconhecermos uma enorme importância, o texto de Lorca já pouco se interliga com o mundo em que vivemos. Se nos inícios dos anos 70, a peça serviria de metáfora muito eficaz contra o despotismo do regime salazarista-marcelista e para todos os preconceitos relacionados com o sexo, tudo mudou entretanto e já quase é de arqueologia a personalidade troglodita de Bernarda de Alba na sua obsessão em manter aprisionadas as filhas à sua idiossincrasia ultraconservadora.
Em muitos países sujeitos à islamização dos seus costumes esta repressão das mulheres faz sentido, mas em Portugal já quase será universal a condenação do comportamento de Bernarda de Alba, nomeadamente quanto á importância por ela atribuída ao diz que disse dos vizinhos.
Essa dessintonia do tema da peça com as preocupações actuais justificou algum enfado, tanto mais que ela decorre em ambiente lúgubre, porque ela inicia-se na sequência da morte do segundo esposo de Bernarda e com todas as mulheres a condenarem-se ao luto.
É claro que existe a luta de classes entre quem manda (Bernarda) e as criadas, mas bem podem elas verberar a patroa nas suas costas, que calam todas as reclamações na sua presença. O que prova não ser essa a preocupação essencial de Lorca ao formulá-la.
Por tudo isso, de entre as muitas peças exibidas nos últimos dois anos no teatro da Marvila, esta terá sido decerto a menos entusiasmante.

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