domingo, março 09, 2008

UM FILME DE ALFONSO CUARON: «OS FILHOS DO HOMEM»

Londres, em 2027. Há dezoito anos, que não nasce uma criança num planeta à beira da ameaça de extinção da raça humana. O rapaz mais jovem, Diego Ricardo, acaba de ser assassinado numa grande metrópole da América Latina só porque recusara autógrafos a alguns dos seus fãs.
É nessa sociedade de características já pré-apocalípticas, que subsiste um poder brutal, sobretudo para com os emigrantes a quem persegue, expulsa e chega a fuzilar expeditamente. E, em contraponto, um grupo revolucionário, os Fishes, que tudo faz para organizar esses proscritos e os levar a uma revolta.
Quem lidera este grupo é Julian (Julianne Moore num papel secundário), que outrora fora mãe de uma criança levada depois pela epidemia de gripe de 2008.
O companheiro de então, Théo, ainda hoje se dá com o antigo sogro, Jasper (Michael Caine), que sobrevive escondido na floresta aonde se dedica ao cultivo de marijuana.
Um dia, os Fishes raptam Theo para que Julian lhe dê uma tarefa inesperada: ajudar a levar uma rapariga negra até à costa britânica e embarcá-la aí no barco de uma organização científica credível, apostada em inflectir aquela perturbadora infertilidade feminina. Mas o que mais espanta Théo é o estado de Kee: ela está grávida já de vários meses, como se depreende da sua volumosa barriga.
Horas depois, quando já dispõem do salvo-conduto arranjado por Théo através das suas ligações ao Governo, seguem pela estrada para a costa, quando são alvo de uma emboscada. Julian será atingida mortalmente com um tiro no pescoço.
Refugiados numa quinta, Théo assiste à designação de Luke como novo líder dos Fishes, e depressa compreende que, não só Julian fora assassinada por uma conspiração interna dos Fishes liderada pelo novo líder, como é a sua própria vida, e a de Kee com a sua criança, que estão em perigo. Sobretudo, porque em vez de a pôr a salvo, confiada aos cientistas do Projecto Humano, Luke quer utilizar a criança como o símbolo da revolta, que prepara.
Com a ajuda de uma enfermeira, convertida em ama da futura criança, Théo consegue ser bem sucedido na fuga à quinta. Arranjam abrigo provisório no esconderijo de Jasper, mas os Fishes dão com eles e em nova fuga, Théo vê Luke abater o ex-sogro à queima-roupa.
Mas será através de um polícia indicado por este último, que entrarão no campo de refugiados de Bexhill, donde contam aceder à bóia do alto mar da qual poderão ser resgatados pelos tais cientistas.
Será aí que rebentam as águas a Kee, nascendo a filha.
Como de costume no cinema comercial, será quando tudo parece perdido, que uma reviravolta no argumento conduz ao happy end, mesmo descontando a morte do protagonista, atingido a tiro no clima de guerra civil por onde terão passado…
O filme é fraquinho e obedece a muitos dos mais convencionais cânones do cinema comercial, mas «Os Filhos do Homem» do mexicano Alfonso Cuaron vem relembrar algumas conclusões passíveis de serem retiradas dos fenómenos políticos de todas as épocas: que, em muitos casos, o extremismo ideológico acaba por beneficiar em larga medida os que mais deveria contrariar. E que o inimigo mais problemático não é o que se conhece, mas o que se esconde hipocritamente ao nosso lado.
Vem isto a propósito de uma história de ficção científica, que dá do futuro próximo uma visão apocalíptica. Numa sociedade ameaçada de extinção, as pontes entre quem assume interesses opostos, deixa de se fazer por concertação, mas pela imposição da força mais brutal. A Inglaterra de 2027 assemelha-se a um estado militar de características fascistas, aonde o racismo assume é apenas uma das suas mais óbvias formas de expressão.
O nascimento de uma criança tem, pois, um sentido redentor. Na promessa de futuro por ela trazido surge a esperança de um tempo bem diferente, capaz de tornar possível o que, pela oposição mais radical, não se consegue.
É nisso, que o filme mais se torna ambíguo enquanto veículo transmissor de uma mensagem de conteúdo ideológico: à repressão fascista não propõe a resposta violenta, mas sim a crença em algo parecido com uma forma de transcendência completamente irracional...

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