sábado, março 01, 2008

A HISTÓRIA DA AMÁRICA EM DOIS FILMES

O que pode interligar «Haja sangue» e «Este País Não É Para Velhos», que rivalizaram pela conquista dos Óscares deste ano e estão em simultâneo nos ecrãs nacionais?
Há, é claro, as interpretações, que Hollywood premiou: inquestionável a de Daniel Day Lewis, mais discutível a de Bardem, sobretudo se considerarmos a presença de Tommy Lee Jones, ou mesmo de Josh Brolin no mesmo filme dos irmãos Coen.
Outro aspecto comum é o da paisagem. Em vez da América urbana, Paul Thomas Anderson e os Coen viraram-se para as zonas secas e áridas do Sul, aonde abundam fanáticos religiosos ou mexicanos e a ânsia pela riqueza está em quase todos os personagens.
Mas o que mais surpreende em ambos os filmes é a possibilidade de neles se confrontarem duas Américas: a primeira, a de «Haja sangue», é a do século XX, ávida dos recursos naturais alheios, não olhando a meios para alcançar os seus fins: Daniel Plainview não hesita em usar o filho adoptivo como argumento afectivo, quando se trata de fazer negócios.
É, pois, uma América hipócrita e imperialista, capaz de usar e abusar de valores - familiares, religiosos - para se apossar de riquezas antecipando-se aos rivais.
Já «Esta Terra Não É Para Velhos» mostra uma América do século XXI, depois de abanada nos seus alicerces pelos atentados do 11 de Setembro.
É em Ed Tom Bell, xerife experiente, que olha à sua volta sem compreender todas as mudanças verificadas, que melhor se revela esse estado de alma de uma nação, que se acreditou invulnerável e se vê agora a contas com crimes quase inexplicáveis na sua brutalidade.
O personagem de Javier Bardem, Anton Chigurh, é tão estranho ao americano comum como um Osama Bin Laden, porquanto mata indiscriminadamente sem olhar a culpados ou inocentes, numa fúria assassina, que fica por dominar.
É esse o último aspecto em que os dois filmes se aproximam um do outro: ambos mostram epílogos em aberto, sem dar o habitual consolo maniqueísta de Hollywood pelo qual se premiassem os bons e se castigassem os maus.
Quer pela morte, quer pela solidão, quer pela incompreensão de um mundo, que não espera por eles para que pudessem acompanhar as suas mudanças, todos os personagens aqui em causa ficam cientes de que, nem através do filtro de Hollywood, a vida nos EUA desemboca em happy endings.

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