Quanto mais não seja por ter significado a despedida de Pierre Boulez enquanto maestro em espectáculos ao vivo, as récitas da ópera «Recordações da Casa dos Mortos» no Grand Théatre d’ Aix-en-Provence em Julho de 2007, ficaram para a História da Música.
Mas elas comportariam outros importantes motivos de interesse: por exemplo, a colaboração com o encenador Patrice Chéreau, com quem Boulez já partilhara uma memorável abordagem do «Anel dos Nibelungos» em Bayreuth por ocasião do centenário dessa obra de Richard Wagner e uma não menos relevante «Lulu» de Alban Berg no Palais Garnier em Paris. E há a obra de Janacek em si, ópera em três actos, que foi a última assinada pelo compositor antes da sua morte em 1928.
A ARTE apresentou agora esse espectáculo inspirado nas evocações de Dostoievski sobre a sua experiência de prisioneiro nos campos de concentração siberianos.
É por isso uma ópera para um elenco quase exclusivamente masculino, já que o único papel feminino é o de uma prostituta inserida num drama colectivo onde as individualidades acabam por se fundirem no anonimato indiferenciado da clausura.
A tarefa do encenador é seriamente dificultada pela aparente falta de acção: só pode contar com um conjunto de testemunhos, os dos condenados que relatam as vicissitudes por que terão passado (muitas vezes por meros crimes passionais causados pelo excesso de álcool), exorcizando-as no remorso, na culpabilidade.
Apesar da cinzentude e desolação deste mundo prisional, Patrice Chéreau soube encontrar a mensagem de optimismo de Janacek («em cada ser há uma centelha divina, escrevera o compositor na sua partitura) exaltando em cada cantor-actor a força redentora do desejo.
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