quarta-feira, outubro 01, 2025

As Cidadãs esquecidas

 

Sabe-se bem quanto as revoluções costumam trucidar quem as levou por diante e acaba marginalizado, punido e até esquecido pelos manuais da História lavrada a mando dos vencedores. E isso é particularmente evidente com as mulheres durante a Revolução Francesa, às quais o documentário “Aux Armes Citoyennes!” de Mathieu Schwartz e Émilie Valentin procura devolver alguma justiça.

Quem foram essas mulheres que, por um momento protagonistas dos acontecimentos, precipitando-os, acelerando-os? Foram muitas, e de origens diversas: a vendedora Reine Audu, figura popular dos mercados parisienses; Olympe de Gouges, dramaturga e autora da “Déclaration des droits de la femme et de la citoyenne”; Théroigne de Méricourt, amazona belga e oradora inflamável; Louise-Félicité de Keralio, jornalista republicana; Catherine Pochetat, soldada em campo de batalha; Pauline Léon, militante e fundadora de um clube feminino ao lado da atriz Claire Lacombe. Todas elas, com coragem e convicção, ocuparam o espaço público, político e simbólico de uma Revolução que prometia igualdade, mas rapidamente as silenciou.

O documentário, narrado por Romane Bohringer, entrelaça animação, arquivos e historiografia recente para reconstruir os seus percursos e devolver-lhes o lugar que lhes foi negado. Através de imagens de época, documentos oficiais e relatos esquecidos, somos levados dos salões aos campos de batalha, dos clubes às assembleias, numa cronologia que revela não só o entusiasmo revolucionário feminino, mas também a violência misógina que se abateu sobre elas. A partir de 1793, com o endurecimento do regime jacobino, as mulheres são expulsas da arena política, perseguidas, encarceradas ou difamadas. O golpe final viria com o Código Napoleónico de 1804, que consagraria juridicamente a subordinação civil das mulheres, abafando por mais de um século as vozes feministas que haviam emergido com força durante os anos revolucionários.

Mais do que uma reconstituição histórica, “Aux Armes Citoyennes!” é um gesto de reparação. Ao dar rosto, voz e movimento a essas figuras apagadas, o filme não apenas ilumina o passado, mas interroga o presente: que outras histórias permanecem ocultas? Que outras vozes ainda esperam ser ouvidas?

A Revolução Francesa, momento fundador da modernidade política, não foi apenas feita por homens. E talvez seja tempo de reescrever os seus capítulos com a tinta das que marcharam, escreveram, combateram e sonharam — antes de serem silenciadas. 

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