quarta-feira, outubro 01, 2025

A pergunta de uma vida no palco da existência

 

Antes dos malefícios da doença a tornarem numa trágica aparência do que foi, teria sido enorme o prazer da Elza na experiência de ver a peça "Qui som?", apresentada no festival de Avignon do ano passado. Não só porque a cerâmica era parte integrante da performance do grupo de atores e atrizes, que dela faziam metáfora a propósito da fragilidade da vida e da capacidade de reconstrução, mas também porque, desde o título, estava presente a pergunta por ela sempre colocada ao longo da vida: quem somos? o que queremos? o que fazemos para o conseguir?

Essa interrogação, tão familiar à identidade da Elza, era o cerne da obra da companhia Baro d'evel: "Qui som?" não contentava-se em ser uma mera representação teatral; era uma experiência sensorial e existencial que desafiava o público a confrontar-se com as próprias incertezas. No palco, a cerâmica, mais do que um adereço, tornava-se a representação literal da fragilidade humana. Os vasos eram moldados e desfeitos, caindo em pedaços depois reunidos num ciclo de criação, destruição e, crucialmente, de reconstrução, ecoando a nossa própria jornada de altos e baixos, de perdas e de resiliência.

A peça, através de uma performance multidisciplinar que misturava circo, dança, música e teatro, evitava uma narrativa linear. Em vez disso, propunha um mosaico de momentos que, juntos, formavam um retrato do ser humano na sua complexidade. Havia humor e melancolia, caos e ordem. Os artistas, com a sua expressividade física e emocional, conduziam-nos por um caminho de introspeção, onde a comunicação transcendia as palavras e manifestava-se em gestos, acrobacias e no som da argila a ser trabalhada.

A pergunta "quem somos?" não era respondida de forma dogmática, mas explorada de uma forma que sugeria estar a resposta na própria busca. A peça convidava-nos a abraçar a nossa imperfeição, a aceitar os fragmentos de quem somos e a entender que a nossa identidade é uma obra em constante construção, tal como a cerâmica. O espetáculo era um hino à vitalidade e à curiosidade, uma chamada de atenção para o facto de que, mesmo quando sentimo-nos desfeitos, há sempre a possibilidade de reconstrução. E talvez seja essa a maior lição: a beleza não está na perfeição, mas na coragem de continuar a moldar a nossa própria história. 

Sem comentários: