terça-feira, outubro 21, 2025

Aceitar que nem tudo tem solução

 

Juro que não faço de propósito, mas os temas vêm ao meu encontro como se estivessem à espreita para virem dialogar com as obsessões atuais. Acontece com "A Zona", filme realizado por Sandro Aguilar em 2008 e cujo tema é o do luto. Ora, para quem está a viver o chamado "luto branco" ,vendo a Elza afundar-se mais e mais na inconsciência permanente suscitada pela doença, ver este filme está a comportar um misto de muitas emoções. Catárticas nuns casos, mas muito dolorosas nos demais. Porque há o sentimento de perda e a inevitável abulia de quem não apetece reagir ao infortúnio dessa situação. E, muito inteligentemente, sucedem-se imagens quase sem diálogos em que os barulhos do ambiente acompanham personagens que sabem estulta qualquer esperança em que algo de bom aconteça. É um filme que vem ao encontro do que vou vivendo no dia-a-dia e sei iminente num futuro nada distante.

Esta gramática do silêncio e dos vazios faz-me pensar, inevitavelmente, no cinema de Yasujiro Ozu. Também ele trabalha com uma câmara que observa mais do que dramatiza, posicionada ao nível do solo nos célebres planos tatami, capturando um Japão em mudança onde a vida moderna e ocidentalizada põe cobro à época em que várias gerações conviviam dentro da mesma casa. É um mundo de pausas, de olhares contidos, de gestos mínimos - antítese absoluta dos climaxes dos filmes norte-americanos que tanto contribuíam para pôr em causa esse universo identitário definitivamente condenado. Ozu filma, no fundo, outra forma de luto: a despedida lenta de um mundo tradicional que se esvanece perante a modernidade implacável.

Há qualquer coisa de profundamente japonês nesta aceitação contemplativa da perda, nesta recusa do melodrama ou da revolta espetacular. Os mesmos atores regressam filme após filme, distribuídos por personagens que enfrentam variações da mesma melancolia existencial. E talvez seja isto que aproxima Aguilar de Ozu, apesar das distâncias culturais e temporais: ambos compreendem que há perdas que não se gritam, que não se dramatizam, que apenas se habitam. A câmara torna-se então testemunha paciente de algo que se desvanece - seja uma vida, seja um modo de vida. O som ambiente substitui a música emocional, os silêncios dizem mais que os diálogos, e nós, espectadores, somos convidados, não a consumir uma história, mas a partilhar uma experiência de dissolução.

É cinema que exige de nós aquilo que a própria vida nos exige quando enfrentamos o irreparável: a capacidade de permanecer, de observar, de aceitar que nem tudo tem resolução ou catarse definitiva. Apenas o lento e doloroso trabalho de habitar a ausência. 

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