A vida de Lee Miller é um daqueles mosaicos que parecem gritar por uma adaptação cinematográfica. De modelo da Vogue a correspondente de guerra, fotógrafa e artista, a trajetória é um testemunho de resiliência e de busca incessante por algo mais, algo que a libertasse das amarras do estúdio ou da passarela.
Ao saber do filme, a curiosidade foi instantânea. Esperava, porém, que a narrativa desvendasse novas camadas dessa personalidade multifacetada, um dos grandes ícones feministas do século XX.
O filme leva-nos numa viagem que tem o clímax nas frentes de batalha da Segunda Guerra Mundial. Acompanhamos Lee a abandonar o glamour das revistas para empunhar uma câmara e registar os horrores dos campos de concentração de Buchenwald e Dachau. É um período intenso, gráfico, onde a lente de Miller não se limita a observar, mas a gritar a verdade mais crua. A narrativa, por vezes, salta para 1977, num dispositivo de flashback que tenta, através de conversas e memórias, explorar os traumas e segredos que Lee Miller carregava, até mesmo do seu filho, Antony Penrose, cuja biografia "The Lives of Lee Miller" serviu de base para o guião.
No entanto, por mais que a história seja relevante e os temas prementes, a sensação foi de que o filme, apesar de tocar nas superfícies dessa personalidade complexa, pouco de verdadeiramente novo ou aprofundado revela sobre a essência de Lee Miller. Sabemos da coragem, inquietude e distanciamento de uma vida "normal", mas a profundidade das motivações, dores mais íntimas ou identidade além da fotógrafa de guerra, ficam aquém do esperado. As críticas, de certa forma, espelham esta ambivalência: enquanto muitos louvam a relevância da história e a beleza visual do filme, outros apontam um ritmo arrastado e falta de profundidade emocional que impedem a imersão na psique da personagem. Há até quem sinta que algumas mensagens feministas, embora pertinentes, são "encaixadas a martelo", quando a própria vida de Miller já seria um manifesto por si só.
Mas se há algo que justifica acompanhar a filmografia de Kate Winslet é a capacidade camaleónica de adaptar-se e, fundir-se com as personalidades que corporiza. Em "Lee Miller: Na Linha da Frente", Winslet é o trunfo do filme, carregando-o nos ombros com uma entrega notável. Conseguimos sentir-lhe a dor, a determinação e, por vezes, a fragilidade. É essa a magia de Kate Winslet: não interpreta um papel, torna-se o papel. Seja na resiliência de Mare Sheehan em "Mare of Easttown", na paixão arrebatadora de Rose em "Titanic", ou na complexidade de Lee Miller, a atriz tem a habilidade rara de convencer-nos da sua verdade, de fazer-nos esquecer que estamos a ver uma interpretação. É por este dom, por esta capacidade constante de reinvenção e autenticidade, que a continuo a aplaudir em cada novo projeto.
"Lee Miller: Na Linha da Frente" é um filme importante pela história que conta e pela figura que homenageia. E, embora não tenha revelado uma personagem que não conhecesse nas linhas gerais, serviu para reforçar o apreço por uma das maiores atrizes da sua geração.
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