segunda-feira, julho 21, 2025

A Bomba-Relógio Vulcânica do Mar Egeu

 

Foi uma das mais memoráveis experiências do meu passado enquanto marinheiro nas graças do mar: integrava a tripulação do «Funchal» quando, há trinta e cinco anos, a ilha entrou no lote das paisagens de assombro, que me ficaram na memória. Desde então nunca mais deixei de me interessar pelas particularidades de um vulcão, que teve um impacto trágico na época da civilização minoica e poderá reincidir se despertar de novo.

Há, de facto, algo de profundamente impressionante em navegar nas águas azuis escuras da caldeira de Santorini. Quando um navio fundeia sobre a gigantesca cratera submersa — como tantos fizeram ao longo dos séculos, levando excursionistas a descobrir uma das ilhas mais espetaculares da Grécia — poucos passageiros conseguem imaginar a força catastrófica que criou aquela paisagem de sonho. Sob as águas onde ancoram paquetes, iates e ferries, jaz o testemunho silencioso de uma das mais devastadoras explosões vulcânicas da história humana.

O documentário de Ole Gurr, Daniela Pulverer e Ann Christin Krumm, “Les Mystères de Santorini” (2024), adota uma narrativa fascinante que liga o passado catastrófico ao futuro incerto desta joia do Egeu. Uma história que obriga a perguntar: quando voltará o gigante a despertar?

Há aproximadamente 3.600 anos, durante o auge da civilização minoica, Santorini protagonizou uma das explosões vulcânicas mais violentas da história registada. A erupção resultou numa coluna eruptiva estimada entre 30 a 35 quilómetros de altura que alcançou a estratosfera.

Para compreender a magnitude desta explosão, imagine-se uma força capaz de lançar material vulcânico até ao espaço, criando um cogumelo de cinzas e gases que obscureceu o sol numa extensão de centenas de quilómetros. Essa erupção cobriu Santorini — parte da borda do vulcão submerso — com cinzas e pedra-pomes, exterminando os habitantes e, como alguns historiadores acreditam, levando ao declínio da civilização minoica centrada na ilha de Creta, a cerca de 140 quilómetros de distância.

As investigações mais recentes revelam que o impacto foi ainda mais devastador do que se pensava inicialmente. A evidência do tsunami resultante desta erupção foi descoberta recentemente. Um levantamento geomorfológico a oeste da cidade minoica de Malia (Creta) mostra que um tsunami resultante da erupção de Santorini da Idade do Bronze atingiu os arredores do seu centro. Esta descoberta confirma que o impacto da catástrofe estendeu-se muito além da própria ilha onde produziu-se a erupção.

Santorini não é um vulcão qualquer. O grupo de ilhas circulares é composto por vulcões em escudo sobrepostos cortados por pelo menos quatro caldeiras parcialmente sobrepostas. A caldeira sul mais antiga formou-se há cerca de 180.000 anos, seguida pela caldeira de Skaros há cerca de 70.000 anos, e depois a caldeira de Cabo Riva há cerca de 21.000 anos.

Mas foi a formação da caldeira mais jovem que deixou marca na história humana. A caldeira mais jovem formou-se há cerca de 3.600 anos (por volta de 1600 a.C.) durante a erupção minoica da Idade do Bronze Tardia que forçou o abandono da ilha.

Estudos recentes sugerem que esta erupção foi precedida por outras ainda mais massivas. Os cientistas dizem que, embora a investigação abra uma janela para o passado, é altamente improvável que uma erupção próxima da escala das antigas ocorra nos tempos modernos. Esta afirmação, contudo, oferece pouco conforto quando se considera a atividade vulcânica atual.

O ano de 2024 marcou um ponto de viragem na atividade de Santorini. Desde meados do verão de 2024, houve um tumulto vulcano-tectónico complexo e sem precedentes, consistindo em dois fenómenos: um novo tumulto intra-caldeira de baixa sismicidade desde o início de julho de 2024, e  uma sequência sísmica vulcano-tectónica intensa, ocorrendo principalmente na área mais ampla de Anydros.

Esta atividade levou a uma avaliação cuidadosa da situação por parte das autoridades gregas. Durante uma reunião de emergência em fevereiro de 2025, a Organização Grega de Planeamento e Proteção contra Sismos (OSAP) e o Ministério da Proteção Civil confirmaram que não há sinais de uma erupção vulcânica iminente. No entanto, reconheceram o risco...

O que preocupa os especialistas é a descoberta de novos desenvolvimentos geológicos. Alguns especialistas apontam para a presença de uma câmara magmática recentemente detetada sob o vulcão submarino Columbo. O crescimento desta câmara magmática poderá ser um precursor da atividade vulcânica.

A pergunta que assombra tanto cientistas quanto autoridades locais é simples, mas de resposta complexa: quando voltará Santorini a entrar em erupção? Os dados disponíveis sobre a situação concluem que, no estado atual, uma erupção vulcânica, embora não impossível, possa ser um cenário provável. Um envolvimento magmático não pode ser descartado, mas isso não significa necessariamente que se seguirá uma erupção.

A realidade é que prever erupções vulcânicas continua a ser um dos maiores desafios da ciência moderna. Prever se e quando haverá uma nova erupção é impossível - os vulcões são e serão sempre imprevisíveis. Certo, no entanto, é que o vulcão entrará em erupção novamente no futuro, porque mantém-se como vulcão longe de estar extinto.

Para monitorizar esta ameaça potencial, existe agora um sistema sofisticado de vigilância. O Instituto fornece a Santorini um sistema de monitorização integral, que garante a previsão atempada de uma possível erupção vulcânica e assume a responsabilidade de desmentir quaisquer declarações falsas ou rumores sobre um estado negativo do vulcão.

Enquanto os turistas continuam a maravilhar-se com os pores-do-sol de Oia e a nadar nas águas termais de Palea Kameni, a ciência mantém-se vigilante. A última erupção significativa de Santorini ocorreu em 1950, encerrando um ciclo que tinha começado em 1939. Desde então, tem-se mantido relativamente calmo, mas os eventos recentes sugerem que este período de dormência pode estar a chegar ao fim.

A beleza enganadora de Santorini esconde uma verdade geológica imutável: este é um dos vulcões mais perigosos do mundo, com potencial para causar devastação não apenas local, mas regional. O impacto de uma futura erupção seria catastrófico para a economia turística grega, para o meio ambiente mediterrânico e para as centenas de milhares de pessoas que vivem na região.

Quando o próximo navio fundear sobre a caldeira de Santorini, os passageiros estarão literalmente a flutuar sobre uma das forças mais poderosas da natureza. A questão não é se o vulcão voltará a despertar, mas quando. E se a história ensina alguma coisa, é que quando Santorini decide falar, o mundo inteiro fica a escutar.

A monitorização contínua, a investigação científica e os planos de emergência são hoje as melhores defesas contra um fenómeno que, uma vez desencadeado, lembrará à humanidade o poder primordial que jaz adormecido sob algumas das paisagens mais belas do nosso planeta.

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