quinta-feira, julho 31, 2025

"A Flauta Mágica" de Ingmar Bergman: um desvio lírico e iluminado

 

Ingmar Bergman. O nome evoca cenários desoladores, conflitos existenciais, silêncios densos e a incessante busca por deus ou pelo sentido da existência. O Sétimo Selo, Morangos Silvestres, Persona ou Lágrimas e Suspiros. São filmes profundos e de uma angústia que definem grande parte da sua filmografia. E, no entanto, em 1975, ele assinou A Flauta Mágica.

Este filme-ópera surge como uma nota esdrúxula, quase um parêntesis improvável na vasta e coerente sinfonia cinematográfica do realizador. Como é que o mestre da introspeção sombria se aventurou numa ópera de Mozart, conhecida pela fantasia, otimismo e conto de fadas iluminista?

Em vez da habitual paleta de cinzentos e pretos, Bergman oferece-nos cores vibrantes, cenários que remetem para a teatralidade e uma atmosfera de leveza e alegria. A Flauta Mágica é uma celebração da música, da razão, da harmonia e, acima de tudo, do afeto. Os temas de Mozart — a luta entre a luz e as trevas, a busca pela sabedoria, a união complementar do masculino e do feminino — são assumidos por Bergman com uma clareza e um calor que contrastam com a complexidade muitas vezes árdua das suas obras dramáticas.

Esta ópera, originalmente pensada para a televisão sueca, permitiu a Bergman explorar uma faceta menos visível da sua paixão pela arte: o amor pela música e o desejo de a tornar acessível. Não filmou apenas uma performance, mas sobretudo a experiência de ser cativado pela música, capturando a essência de uma récita ao vivo e a interação mágica entre a obra e quem a vê.

A Flauta Mágica revela um Bergman mais humanista e esperançado, ou pelo menos uma dimensão mais luminosa da sua complexidade. Não aparecem aqui as crises de fé ou os dilemas morais excruciantes. Em vez disso, encontramos uma afirmação da virtude, da razão e da capacidade humana de superar desafios através da união e do conhecimento. É como se, depois de tantas viagens às profundezas do ser, Bergman oferecesse um vislumbre do céu, ou pelo menos de um paraíso possível na Terra, regido pela música e pela sabedoria.

Este filme permanece uma anomalia fascinante na sua filmografia, um sinal da versatilidade de um realizador que, apesar de associado a um estilo e a temas tão particulares, era capaz de surpreender e encantar de formas inesperadas. A Flauta Mágica não é um desvio menor, mas antes uma peça essencial que enriquece a nossa compreensão de Bergman, mostrando que até nos seus recantos mais inusitados, a sua capacidade criativa encontrava um caminho singular. 

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