terça-feira, julho 22, 2025

A Banalidade do Mal em versão contemplativa

 

É fascinante como um filme como "Natural Light" emerge da Hungria de Viktor Orbán. Confesso que, ao começar a vê-lo, alimentei uma dúvida: como é possível que uma obra tão crua e desoladora sobre a participação húngara na Segunda Guerra Mundial, isenta de glorificar a nação, consiga ser produzida num ambiente cultural tão rigidamente controlado e nacionalista?

No entanto, à medida que a narrativa evolui, essa questão inicial dissolve-se. "Natural Light" transcende qualquer agenda política, focando-se na experiência visceral e desumanizadora da guerra através dos olhos de Semetka. A câmara de Dénes Nagy, com a fotografia sombria e imersiva, transporta-nos para a lama e o frio da União Soviética ocupada, onde a sobrevivência é a única bússola moral. A ausência de diálogos excessivos e a aposta numa sonoplastia impressiva amplificam a sensação de isolamento e a brutalidade silenciosa dos acontecimentos.

Ao assistir a "Natural Light", é quase impossível não evocar a memória de "Vem e Vê" (Idi i smotri) de Elem Klimov. Ambos os filmes partilham uma abordagem implacável da guerra, mergulhando o espectador num pesadelo de desumanização e horror. A forma como a violência é sugerida, muitas vezes fora de campo, mas sempre presente através do som e das reações dos personagens, é uma técnica que remete para a genialidade de Klimov. Contudo, e aqui reside uma distinção crucial, "Natural Light" não atinge o mesmo impacto dramático avassalador de "Vem e Vê". Enquanto o filme soviético é uma descida vertiginosa ao inferno, com uma intensidade quase insuportável, o de Nagy opta por um ritmo contemplativo e uma observação distante da degradação humana. Ainda assim, a capacidade de nos confrontar com a banalidade do mal e as escolhas difíceis em tempos de conflito é inegável, tornando-o uma obra memorável por si só. 

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