domingo, julho 20, 2025

Ateu Impenitente, até leio d'Ormesson

 

A ideia é quase paradoxal: eu, ateu impenitente e, por vezes, dogmático, tantas vezes a torcer o nariz a qualquer vislumbre de espiritualidade ou, pior, de proselitismo religioso, eis-me a defender a leitura de Jean d'Ormesson.

Dirão alguns dos que bem me conhecem: "Mas como é possível? Ele não foi um homem de fé, assumido defensor de uma certa direita conservadora?" Sim, foi tudo isso. E, no entanto, para este ateu, d'Ormesson não só é legível como, em certos aspetos, assaz interessante.

A "alergia" a certas figuras de direita, ou a pensadores que vejo como defensores de uma ordem imutável – e aqui não resisto a pensar nas em tempos dirigidas às personalidades de Agustina Bessa-Luís ou Vasco Graça Moura, por exemplo –, é algo que me é identitário. Mas d'Ormesson representa uma exceção luminosa. Não é o seu credo que me atrai, nem as convicções políticas, mas a vastidão do intelecto e, acima de tudo, a invulgar curiosidade.

Foi nos ecrãs, nos memoráveis programas como "Apostrophes" ou "La Grande Librairie", que o "fenómeno" d'Ormesson se me impôs. Lembro-me das trocas de ideias com gente admirável como Edgar Morin ou Peter Brook. Não em monólogos de certezas, mas na dança de perguntas e respostas, onde a capacidade de escutar genuinamente o outro, de encantar-se com perspetivas que nunca imaginara, me surpreendia. Ele não estava ali para pregar ou converter, mas para explorar. E essa exploração, para um ateu, é bem mais rica e instigante do que qualquer dogma.

É por isso que a leitura de "O Mundo é Uma Coisa Estranha, Afinal" me parece não só justificada, mas até intelectualmente estimulante. Nele não busco uma prova da (in)existência de Deus ou a justificação para a fé. Longe disso. Antes a inteligência aguda do autor a dissecar os mistérios da existência humana, desde o Big Bang até às mais íntimas angústias. Com leveza e humor inigualáveis, D’Ormesson convida a uma viagem filosófica onde as grandes perguntas – sobre a origem, o sentido, o fim – são abordadas com erudição e uma inequívoca honestidade. Não oferece respostas fáceis, mas a beleza do questionamento.

Para este assumido herege, ler d'Ormesson é como conversar com um amigo brilhante que, apesar das diferenças fundamentais, partilha a paixão pela busca, pela maravilha do desconhecido e pela estranheza de estar vivo. É um privilégio que transcende barreiras ideológicas e sectárias. E é por essa capacidade de fazer pensar, de abrir a novas perguntas, que Jean d'Ormesson se tornou uma exceção merecedora de atento reencontro. 

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