segunda-feira, julho 22, 2019

(DL) O trágico desenlace de uma rapariga que só queria ser boa

Falecido há pouco mais de um ano, Philip Roth é daqueles escritores que lamento não ter visto contemplado com o Nobel. Atribuído a tanta gente que o não justificava - e o caso mais recente foi o de Bob Dylan! - ficou por consagrar o criador de uma prosa de grande qualidade cuja leitura constitui permanente motivo de prazer.
Voltou a acontecer-me com «Quando Ela Era Boa», o seu terceiro romance datado de 1967.
Na época as viagens à Lua estavam iminentes, mas tardavam as mudanças nos costumes, que dessem fundamento à ansiada Revolução Sexual. E estão lá as diferenças sociais, que sempre denunciou como causadoras dos sofrimentos dos mais desvalidos e dos mesquinhos comportamentos dos arrogantes escudados na sua ostentatória riqueza.
A leitura permite, igualmente, atentar no recurso a personagens que se assumem como «eu» e não se confundem com o do próprio escritor. Desde início compreendemos que a narração na primeira pessoa não é autobiográfica, mas uma ficção tão distanciada do criador como se ele tivesse tomado outra opção.
A história situa-se algures no Midwest, nessa região interior dos EUA que, cinquenta anos depois, é um dos mais fiéis bastiões de Donald Trump. Lucy, a sua mais impressiva personagem, vê a intenção de ver os outros adotarem os seus ideais de família e sociedade precipitarem-na no abismo. O pior é que depara com mulheres fracas, que se acomodam ao adultério e à violência dos maridos nunca lhe facultando o apoio delas ansiado. Quase todos os homens, apesar de deterem a força dos músculos, não mostram sinais de inteligência: o avô Willard é indulgente com o genro, que lhe caberia conter nos excessos alcoólicos, e por eles se vê levado pela polícia, por denúncia da filha, que marca desde esse episódio infantil a sua diferença. Roy Bassart, que a engravida aos 17 anos, nunca se adaptará ao sentido de responsabilidade por ela exigido, contentando-se com um emprego medíocre e os inúteis sonhos de um destino heroico incompatível com a sua fraca personalidade. À parte só fica o tio Julian, que se revela o pior dos inimigos da rapariga e causador indireto do seu trágico desenlace. Olhando para qualquer mulher com instinto predador nunca perdoará a Lucy ter-lhe escapado ao assédio. A solidão, que a levará à morte, tem nele o principal estratega.
Concluída a leitura fica, sobretudo, a constatação de uma capacidade incrível de expandir em muitas páginas uma intriga quase linear e sem jamais nos suscitar a ideia de se tornar repetitiva, redundante.

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