sexta-feira, julho 26, 2019

(DIM) Eu godardiano me confesso


Sou um convicto apreciador da obra de Jean Luc Godard, que me proporcionou jubilatórias fruições cinéfilas com quase todos os seus filmes, mormente «O Desprezo» e «Alphaville» sempre reencontrados com deleite tão-só se me deparem à frente dos olhos.
Confesso que não alimentava grandes expetativas relativamente ao filme realizado por Michel Hazanavicius ao adaptar o livro autobiográfico de Anne Wiazemsky sobre o par de anos de casamento com o principal vulto da Nouvelle Vague.
Hazanavicius fora hábil no Oscarizado «O Artista», mas produz um cinema nos antípodas das preocupações ideológicas e estéticas do seu protagonista. E Wiazemsky, depois do intervalo Godard, voltou a ser a burguesa orgulhosa da condição de neta do gaulista Mauriac, nunca mais se lhe conhecendo tomadas de posição quanto aos grandes debates políticos e sociais dos anos subsequentes. «Un An Après», quando lançado, foi apresentado como uma espécie de ajuste de contas com o ex-marido de quem depressa se enfadara.
Restava Louis Garrel no papel de Godard e convenhamos que ele confirmou o quanto dele vamos conhecendo, há uns anos a esta parte, competente nos desempenhos e criterioso no que escolhe representar. Quase irreconhecível enquanto Godard, não se imagina quem melhor poderia substitui-lo no desafio.
Visto o filme, ele está longe de merecer a tareia, que mereceu de Luís Miguel Oliveira no «Ipsilon»: “Godard? É apenas a caução de Michel Hazanavicius para filmar rabos de raparigas com caução.”
Pode-se reconhecer que Hazanavicius deu importância exagerada ao carácter alienígena de Godard, inseguro quanto à sua pessoa e invariavelmente desagradável com quem o interpelasse para lhe manifestar apreço pela sua obra. A empatia com Anne é inevitável, levando-nos a ter pena dos tratos de polé a que se sujeita no quotidiano conjugal. Mas não era esse o leitmotiv  do livro por mais que os argumentistas procurassem desviar-se dos seus propósitos?
«Godard, o Temível» ilustra bem o ambiente do Maio de 1968 e as contradições de toda uma geração desejosa de mudar o mundo, transformando-o numa aprazível praia depois de retiradas as pedras das calçadas e ferozmente confrontada com a violência do aparelho policial gaulista.
Havia muita ingenuidade e muita confusão ideológica, mas quem foi militante nesses tempos nunca mais os esqueceu por terem sido os mais exaltantes de quantos experienciou. E Godard continuaria a tudo questionar, desde a forma de fazer cinema, quer como ele traduz a sociedade em que nos vamos entediando.

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