sábado, dezembro 26, 2015

SONORIDADES: do verismo ao realismo poético

Herdeiro de quatro gerações de organistas e de mestres de capela, Puccini parecia vocacionado para dedicar-se à música religiosa, tanto mais que começou logo em criança a evidenciar-se na classe de órgão do Instituto Pacini.
Assim sucederia se não passasse por um momento revelador: a representação de “Aïda” em Pisa, em 1876. Foi essa experiência que o convenceu a orientar-se para a arte lírica, mudando-se então para Milão onde, durante três anos, estudaria com Antonio Bazzini e Amilcare Ponchielli.
A crítica assinala-lhe o talento quando lhe conhece a primeira obra: «Capriccio Sinfonico». Depois, embora não consiga vencer o concurso lançado por Edoardo Sanzogno para uma ópera num ato, consegue que Arrigo Boïto lhe apadrinhe a estreia no Teatro dal Verne, em Milão, para essa obra, intitulada “Le Villi”.
Estava-se em 1884 e ela revelava um tal sentido dramático, que Giulio Ricordi convida-o para compor outra ópera, de maior fôlego, destinada ao Scala.
Infelizmente para o jovem Giacomo, «Edgar», baseado numa história de Alfred de Musset, é um fracasso clamoroso, que ele atribui à falta de consistência do libreto.
Houve, então, mérito em Giulio Ricordi em não perder confiança nele, pois vê-lo-ia compor de seguida uma das suas primeiras obras-primas: «Manon Lescaut» (1893), baseado em Massenet.
Estreado logo após a “Cavalleria rusticana” de Mascagni (1890) e a “Pagliaci” de Leoncavallo (1892), e oito dias antes da récita inaugural de “Falstaff”, tudo indicava que Puccini integraria o lote dos compositores veristas, influenciados pelo grande mestre da ópera italiana. Assim o indicava o terrível exemplo da força das paixões, que o Abade de Prévost evocava, ao mesmo tempo que se revelava um testemunho sedutor da época da Regência.
Puccini não se mostraria tão pouco ambicioso, que se deixasse encerrar numa escola ditada por regras, que não fossem as suas. A obra seguinte já será de rutura com tal cânone:  «La Bohème», apresentada em Turim, sob a direção de Arturo Toscanini.
Estava-se em 1896  e era a primeira vez que a poesia do realismo acompanhava um cenário contemporâneo, contrapondo a imponente fantasia à terna emoção, pós-romântica colorida com alguma sensualidade.
Puccini criara a obra na sua nova residência de Torre del Lago, construída nas margens do lago Massaciucoli, e intuira a fulgurante carreira, que com ela iniciaria. É que nunca sentira alcançar tal justeza de tom  e a uma tão harmoniosa estética da angústia, apesar do inato domínio das leis da encenação e da direção musical. A indissociável união da melodia com a harmonia teve nessa obra um exemplo eloquente.
Na versão, que aqui se linka, realizada em 2009 por Robert Dornhelm, o protagonismo cabe ao “casal” então na moda constituído por Anna Netrebko e Rolando Villazón. E é espetáculo em que vale a pena investir duas horas  pela garantia de se revelarem compensadoras... 

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