quarta-feira, dezembro 23, 2015

DIÁRIO DAS IMAGENS EM MOVIMENTO: O Expresso de Tati

Os filmes de Jacques Tati sempre me deram um gozo peculiar, pela forma como soube criar um universo ao mesmo tempo poético e burlesco. Por isso mesmo, o documentário «Tati Express» de Emmanuel Leconte e Simon Wallon tinha, a priori, todas as condições para me proporcionar mais uma viagem jubilatória ao prometer a revisão dos seus filmes, desde o primeiro, «Jour de Féte» (1949) até àquele que considerou o último da sua autoria: «Play Time» de 1967.
Embora, ulteriormente, tenha assinado «Traffic» e «Parade», Tati sempre os enjeitou como obras menores, indissociáveis da sua condição de encomendas por ele despachadas com profissionalismo, mas sem o prazer investido no projeto, que o levara à falência.
No início do percurso artístico, Tati era um artista de variedades, que fazia rir o público com números de mímica apelidados de «Impressões Desportivas».
Ao verter a sua criatividade para a sétima arte, ele estava decidido a ensinar o público a ver e a escutar o mundo, que estava em acelerada mudança, sobressaindo o absurdo de muitas opções consumistas.
Não se tratava de um discurso passadista onde fosse determinante a nostalgia pelo passado: pelo contrário, a França rural do primeiro filme ou a da que ia de férias no seguinte era escarnecida quanto aos seus preconceitos. Quer nela, quer na dos filmes seguintes, quando a modernidade impunha uma adaptação, que se revelava difícil, Tati não pouparia no ridículo dos pequeno-burgueses ou nos atavismos dos zelosos funcionários.
Quando se trata de filmar a arquitetura contemporânea ou as novas tecnologias, sente-se uma indisfarçada atração do autor, que só nelas critica a progressiva ausência do que melhor caracteriza o ser humano: a originalidade face à pressão para se deixar padronizar, ou a comunicabilidade contra a crescente preponderância de ruídos, que se sobrepõem às vozes.
Pelos filmes de Tati passa uma rigorosa descrição da evolução da sociedade ocidental entre o pós-guerra e a financeirização da sua economia. Sempre com tamanha inventividade, que só podemos reconhecer a genialidade deste perfecionista capaz de, no mesmo plano, justapor diversos gags divertidos.
Lamente-se que a megalomania criativa, que se revelou tragicamente despesista em «Play Time», o tenha impedido de concretizar outras obras, que serviriam de complemento a essa pedagogia crítica sobre o mundo em que crescemos…
Mas, mesmo num documentário como este, o mundo de Tati fascina e diverte...

Sem comentários: