domingo, dezembro 06, 2015

DIÁRIO DE LEITURA: Cunhal nos anos 60

O quarto volume de «Álvaro Cunhal - uma Biografia Política» suscita-me particular interesse por se orientar para a década em que iniciei a curiosidade pela realidade, que via desenrolar-se à minha volta e os verdes anos não me permitiam entender: a audição clandestina da BBC em português, os alertas para o que se dissesse na presença de um tio suspeito de ligações pidescas, o sobressalto causado pela notícia da morte de Humberto Delgado, as palavras ciciadas a respeito do Mariano da Azinhaga a quem tinham vindo buscar numa noite escura e nunca mais voltou.
Ecoaram então os acontecimentos das barricadas de Paris em maio de 68 e a morte de Robert Kennedy, razões mais do que estimulantes para me tornar leitor assíduo de uma revista minimamente decente dentro da imprensa censurada de então: a «Vida Mundial».
O livro de Pacheco Pereira dá um justificado enfoque à fuga de Peniche em 6 de janeiro de 1960, quando Cunhal saiu da prisão com dez companheiros e foi cuidar da alteração da linha do Partido, que Júlio Fogaça tinha tornado fiel seguidora das teses do célebre XX Congresso.
Porque a negação de Estaline terá estado na origem do declínio e quase desaparecimento dos partidos comunistas ocidentais, depois das variantes mais ou menos mal sucedidas de “eurocomunismo” e da “perestroika”, a questão ainda me suscita atenção por ter sido pertinente para o militante da extrema-esquerda que fui no final dos anos 70, e me envolvi na cogitação dos benefícios e malefícios do discurso de Nikita Khrushchov .
Mas o livro também demonstra que o PCP continua a ser um partido com um grande pragmatismo, sabendo-se moldar às circunstâncias: se começou por olhar para Humberto Delgado como o general coca-cola, logo se lhe colou ao ver a adesão popular por ele conseguida na chegada à estação de São Bento, forçando então a desistência do seu próprio candidato, Arlindo Vicente.
A Primavera de Praga irá demonstrar aos demais dirigentes do Movimento Comunista Internacional, que Cunhal personificara a “linha justa” ao emitir reticências ao antecessor de Brejnev, sem se render aos ventos de leste soprados de Pequim.
Pacheco Pereira até descortinou o fascínio, ou pelo menos o interesse de Cunhal por experiências políticas diferentes das do Politburo do PCUS, como sucedeu com as visitas feitas à Jugoslávia de Tito ou à Checoslováquia de Dubcek, mas delas acaba sempre por se dissociar mantendo-se firme nalguns princípios, que tinham por sumula a ideia de uma viragem revolucionária em Portugal por meios violentos, sem o recurso a alianças de carácter reformista com as demais forças da oposição. Mas, igualmente, sem alinhar nos voluntarismos estéreis de Delgado, que conduziram às derrotas da intentona de Beja ou do próprio assassinato do general.
Cunhal é, indubitavelmente, um dos nomes maiores do século XX português e estudar-lhe o percurso com grande abertura de espírito só nos poderá ajudar a compreender melhor o que se joga no presente e no futuro próximo.

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