domingo, dezembro 06, 2015

DIÁRIO DE LEITURA: O primeiro caso de Kurt Wallander

«A Facada», a primeira das novelas contidas na antologia «La Faille Souterraine», permitiu a Henning Mankell explicar aos seus leitores como Kurt Wallander apareceria divorciado no primeiro dos romances da série por ele iniciada em «Assassino sem Rosto» em 1991. Nessa altura, muito mais relevante do que Mona, a ex-mulher, surge Linda, a filha de ambos, uma adolescente de forte personalidade, que evoluirá à medida da passagem dos anos e iremos depois encontra-la a substituir o pai na esquadra de Ystad, ganhando autonomia própria em romances por si protagonizados.
A Mona que aparece em 1969, quando Kurt tem apenas 22 anos é ajudante de cabeleireira em Malmö e não aceita de bom grado a ocupação do namorado, que falha sistematicamente todos os encontros aprazados.
Apesar de se sentir bastante enamorado por ela, Kurt sente a precaridade de uma relação com tudo para correr mal.
Outra das características de Kurt Wallander já está bem definida: a forma obsessiva como procura resposta para as causas de um crime. O que o leva a alhear-se dos protocolos, incorrendo por isso mesmo em situações assaz perigosas. A facada do título é, precisamente, o que lhe ocorre, quando anda sozinho a procurar um suspeito num jardim frequentado por gente pouco recomendável.
Curiosamente a intriga não é muito verosímil, por iniciar-se com a morte por suicídio de um vizinho de Wallander que, na autópsia, aparece com uma apreciável quantidade de diamantes no estômago. Tratava-se de um antigo embarcadiço, que deles se teria apossado muitos anos atrás em São Luís, no Brasil, a meias com um colega logo ali aprisionado por homicídio.
Agora, regressado do outro lado do Atlântico, esse antigo parceiro vem à procura da parte da fortuna, que lhe caberia. Mas ele matara-se antes de ser alvo da fúria vingativa do homicida.
Julgando que os diamantes poderiam estar com a amante brasileira do morto, também a procura e a mata sem conseguir sucesso no seu projeto.
Mankell mostra uma Suécia muito diferente da que costumávamos associar ao país de Olof Palme, com os pobres a revelarem uma cupidez e uma falta de escrúpulos na exata dimensão de encararem o futuro sem qualquer esperança de nele encontrarem melhores condições de vida. Não é, pois, o tipo de retrato, que se esperaria proveniente de um escritor bem conhecido pelas suas ideias de esquerda, a menos que ele se inserisse na tradição de outros criadores como o do cineasta italiano Ettore Scola, conhecido pelo retrato dos mais pobres como sendo feios, porcos e maus.
No final da história podemos perguntar-nos: para que é que o suicida quisera os diamantes se durante anos a fio tivera uma existência quase miserável? Porque preferira matar-se do que tentar uma eventual partilha do pecúlio com o seu antigo cúmplice?
Embora de leitura agradável, «A Facada» poderá ter padecido da razão de ser destes romances: servirem de textos de base para a criação de guiões televisivos. Para as séries,, que na Suécia tiveram muito sucesso com atores locais, mas nossas conhecidas na versão inglesa, que tinha Kenneth Branagh no papel de Wallander.

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