quinta-feira, outubro 22, 2015

DIÁRIO DAS IMAGENS EM MOVIMENTO: Cenários da desolação

Na primeira das principais histórias contidas na segunda parte de «As Mil e uma Noites» de Miguel Gomes temos Simão «Sem Tripas», que assassinou a mulher e a filha e se pôs em fuga pelos campos.
Estamos, pois, perante um caso similar ao conhecido no ano passado, confirmando o projeto de Miguel Gomes em ficcionar a partir dos acontecimentos, que iam ocorrendo enquanto filmava o seu tríptico.
Durante muitos dias, Simão consegue escapar à polícia, ao mesmo tempo que vai conseguindo dar vazão às suas necessidades mais básicas, seja de alimentos, seja de sexo.
Enfim preso, ele é objeto da aclamação pela população, que faz dele um inexplicável «herói».
Sobre o estado da Justiça deparamos com outra história, algo de surreal, que começa com uma rapariga a sair da cama onde acabara de perder a virgindade, para se acolher aos braços da mãe, uma juíza que lhe prodigaliza conselhos. É esta quem, a seguir, irá presidir a um julgamento onde um primeiro acusado atira as culpas para uma das pessoas, que estava na assistência, que, lesta, a reenvia para outra, e assim por diante, até que, perante uma tão longa lista de crimes e de culpados, a juíza cai em lágrimas.
Na última das histórias, que justificam plenamente o subtítulo do filme - «O Desolado» - a amiga de um casal, seus vizinhos, oferece-lhes um cão, Dixie, para que se sintam menos deprimidos e se agarrem a um ser tão carente de ternura.
Luísa e Humberto relacionam-se então com um outro casal, Vasco e Vânia, que vivem nos prédios degradados em frente à sua casa, e a quem contam as histórias de quem vive ali.
Um dia, os jovens recebem a incumbência de cuidarem de Dixie, enquanto os donos se irão momentaneamente ausentar.
Desconfiando da demora no regresso, Vascoe  Vânia alertam a vizinhança sobre as suas desconfianças, que acabam por ter cabimento: desempregados e doentes, Luísa e Humberto tinham cumprido um pacto de suicídio. Dixie mudará, uma vez mais, de donos.
À saída do cinema a conclusão era óbvia: se no primeiro volume da trilogia sentíamos indignação, neste encontrávamos motivos para nos sentirmos desolados com uma triste realidade, que nos ultrapassa. Constatáramos uma sensação de perda inexorável de qualquer referência a que muita gente se possa agarrar.
Se no filme anterior concluíramos pela entrada numa era de absurdo, contaminada pelas consequências do memorando da troika, este sustenta tal ilação com exemplos de uma aflitiva confirmação. E o cinema cumpre a sua função, quando nos inquieta, nos indigna e nos impressiona... 

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