sexta-feira, outubro 30, 2015

DIÁRIO DAS IMAGENS EM MOVIMENTO: A Última Lição

Nos últimos anos o número de suicídios em Portugal tem sido uma realidade pouco divulgada, mas explicada pela perda de rendimentos e dos apoios sociais como reflexo das políticas austericidas da coligação de direita.
As opções tomadas pelos milhares de desesperados, que decidiram evadir-se do sofrimento quotidiano, foram sempre terríveis: enforcamento, queda de grandes alturas, afogamento, comprimidos, etc.
É evidente que, com outras políticas, muitas dessas vítimas nunca teriam avançado para “soluções” tão extremas. No entanto, quando se conseguir superar esta fase de enormes constrangimentos económicos e financeiros, existe outra causa fraturante, que aguarda a oportunidade de ser coletivamente discutida: o direito a uma morte assistida por opção de cada pessoa dispor do próprio corpo.
Nalguns países europeus esse direito já é respeitado, e volta a estar em causa em França a partir da próxima semana, quando se estrear «La Dernière Leçon», o filme de Pascale Pouzadoux, que adapta o livro de Nöelle Châtelet sobre a sua experiência pessoal com a  mãe em 2002. Como então foi largamente divulgado, e apesar de não ter qualquer doença passível de lhe causar indizível sofrimento, a mãe de Nöelle e do antigo primeiro-ministro Lionel Jospin decidiu ser aquele o momento apropriado para se despedir da vida, serenamente e rodeada de quem mais amava. Daí que tivesse tomado a iniciativa de contratar a clínica suíça onde a sua vontade poderia ser concretizada e anunciado à família essa decisão.
Como escreveu no seu livro confessional, Nöelle não estava preparada para a ideia de ficar sem a progenitora, mas reconheceria depois ter tido dela uma valiosa lição de amor.
O filme agora quase a chegar aos ecrãs, é protagonizado por Sandrine Bonnaire e Marthe Villalonga, ficcionando a história real, de uma forma que lhe é bastante fiel, como se depreende desta sinopse: aos 92 anos, Madeleine decide oferecer aos filhos uma derradeira lição. Por isso, no dia do seu aniversário, e perante toda a família, anuncia ter decidido partir dignamente segundo as suas condições.
Os filhos reagirão muito negativamente a tal escolha, mas não conseguirão demover Madeleine de continuar a ser a dona da sua própria vida, como sempre ocorrera até então.
A exemplo do que ocorreu com Nöelle, a personagem Diane acatará a decisão sem a reação destemperada do irmão. Mas quem acaba por aceitar mais facilmente a expressão dessa vontade são os netos, que olham, algo incrédulos, para as reticências dos progenitores.
Porque subscrevo por inteiro a opinião de Mireille/ Madeleine gostarei de assistir à evolução da legislação sobre a eutanásia e ainda dela vir a beneficiar.
No momento adequado, quando as forças e a lucidez já se revelarem perigosamente periclitantes, desejarei ter o direito a ser-me dada aquilo que Alvaro Mutis designou como “un bel morir”. Transpondo o Letes sem qualquer sofrimento e de mão dada a quem mais amo.
E, se não é pedir demais, numa situação similar à interpretada por Edward G. Robinson num saudoso filme dos anos 70 («À Beira do Fim»), em que o último sopro de vida era vivido perante um ecrã com belas imagens da Natureza e com uma música tranquilizadora…

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