quinta-feira, fevereiro 12, 2015

DIÁRIO DE LEITURAS: A natureza e as ânsias de liberdade

Datado de 1948, «Concluding» constitui a súmula das experiências formais  encetadas por Henry Green desde que publicara «Blindness» em 1928.
Mr. Rock, o protagonista, é um célebre cientista, que recebera do governo uma propriedade  adjacente ao para usufruir a serenidade própria dos seus anos crepusculares.
A neta deste patriarca surdo é Elisabeth, que tem por amante um dos professores do colégio, Sebastien Birt, ansioso por - mesmo contra a opinião das diretoras - expulsar o ancião para anexar-lhe a propriedade.
Personagem bizarro, com algo de shakespeariano, mas também de burocrata, esse ator capaz de levar Elizabeth para o recato situado por trás dos arbustos, é um sátiro ou um mágico?
Na tarde estival em que Mr. Rock festeja o octogésimo aniversário sucedem-se acontecimentos misteriosos: duas das alunas desaparecem. Uma é encontrada na floresta com o pijama rasgado, incapaz de falar e  desmaiando sem revelar o seu segredo. Nunca se saberá se a companheira foi violada, morta  ou tão só foragida, mas  a boneca que lhe pertencia  é encontrada com agulhas espetadas.
O fantástico - a lembrar «Piquenique em Hanging Rock» de Peter Weir - encontra espaço neste mundo de Bela Adormecida. E também a loucura: o guarda florestal Adams é um  desmiolado, que  desarma o puritanismo recalcado das diretoras.
O baile do final do ano escolar exacerba os instintos das alunas : as reações naturais e sensuais, bem como a fuga de Maris, representam um antídoto, quiçá uma forma de escapar à tradição hipócrita e rígida ali vigente.
A resposta a todos os mistérios inquietantes poderia ser dada por Mr. Rock, mas a sua surdez  também representa uma espécie de evasão em que só parece ouvir o que lhe agrada e responder evasivamente ao que lhe perguntam. Mas a linguagem tem em Henry Green um papel fundamental: o diálogo sempre teve papel prioritário nos livros do autor, servindo aqui para ilustrar a incomunicabilidade, a incompreensão entre as pessoas.
As personagens são apenas esboçadas com Green a rejeitar a habitual omnisciência dos romances mais estereotipados. Elas  não se resumem à ideia que têm de si ou mesmo à que os outros têm deles, só existindo no momento em que falam. O leitor nunca conseguirá deles retirar um juízo definitivo.
Daí o incómodo com a leitura mas também a sua originalidade como hino à beleza natural e á reivindicação da liberdade contra a cinzentude da ordem administrativa. Em causa está uma sociedade que coage a que se viva como louco, surdo ou ator.
Há quem considere este romance como um dos mais influentes na literatura inglesa do século XX por anunciar o homem fragmentado a mover-se nas correntes do tempo. 

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