domingo, fevereiro 22, 2015

DIÁRIO DE LEITURAS: As meditações físicas de Guillaume Le Blanc (1)

Sempre apreciei bastante a corrida como desporto. Tanto mais que, na infância, era o tipo de brincadeira, que menos custos implicava, já que nem sequer exigia a existência de uma bola. Por isso, desde cedo, integrei um grupo de miúdos, que saía defronte da igreja do Monte da Caparica, ia dar a volta ao cemitério e fazia a subida da Torre até regressar ao ponto de partida.
Mais tarde o jogging continuou a fazer parte da minha prática desportiva: morava na Costa da Caparica e, quando chegava do trabalho ao fim da tarde, ia fazer o balanço de tudo quanto fizera nos seis quilómetros de ida e volta até às Casas Velhas.
Mesmo quando andava embarcado nos oceanos de todo o mundo não abdicava de fazer uns bons quilómetros de corrida fosse nos portos onde atracávamos, fosse no próprio convés a navegar quando se tratava de superpetroleiros com mais de trezentos metros de comprimento.
E, se hoje não consigo fazê-lo todos os dias, corro pelo menos uma dúzia de vezes ao mês ao longo da baía do Seixal.
Correr é, pois, uma necessidade interior. Até porque, ainda assim, não consigo contrariar a genética  nos mais de noventa quilos de peso, que me atribui.
Não admira o interesse, que me deram as meditações físicas do livro do filósofo Guillaume Le Blanc, agora publicado na Flammarion.
«Courir, méditations physiques» parte de uma tese surpreendente: os filósofos nunca abordaram a corrida. Já na Antiguidade, os gregos elogiavam a marcha da tartaruga, mas desqualificavam o valente Aquiles atingido na vertigem das suas deambulações guerreiras.
Igualmente praticante de jogging, o autor do ensaio revisita textos de Descartes, Rousseau, Deleuze ou Benjamin, mas também não deixa de lado o notável Émile Zatopek.
Os títulos dos capítulos representam só por si uns saborosos aperitivos para o conteúdo: «Corro, logo existo», «Retrato do filósofo como corredor de fundo», «Fugitivos», «O prazer de sofrer», «Corpos utópicos»...
À partida a filosofia conotou o mundo celeste com a imobilidade. Em Aristóteles é precisamente nessa mobilidade, que se expressa a sua perfeição. A mesma que devem ter as ideias.
A esse mundo celeste opõe-se o terrestre que Platão já considerava fugidio, evanescente, mutável...
A filosofia tomou sempre o partido dessa imobilidade contra a mobilidade e sempre desacreditou tudo quanto rejeitasse essa condição estática.
Só que o mundo mudou e estamos agora inseridos numa realidade feita de velocidade e de aceleração. Por isso mesmo as representações, que construímos desse mundo também mudaram
O que Guillaume Le Blanc procura compreender é como essa passagem para um fluxo em permanente movimento alterou o pensamento.
Uma abordagem que prosseguiremos em textos posteriores.

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