Estava nos meus primeiros anos de liceu, quando ouvi falar de Bergman pela primeira vez.
Beneficiando da presença de uma irmã mais velha na Faculdade de Letras, quando os ventos de Maio de 68 punha os jovens de então a fervilhar por sonhos utópicos, procurava beber dela o máximo de informação, que me aproximasse de uma condição adulta vista então como o objectivo prioritário do meu crescimento.
Foi assim que fui parar a uma memorável sessão das chamadas Quinzenas, que o Monumental então apresentava às seis e meia da tarde.
Eram ciclos com filmes excepcionais, que motivavam a presença de centenas de jovens: os suficientes para encher por completo a plateia, o 1º e o 2º balcões como então existiam.
No que mais me marcou o filme principal tinha sucesso garantido: «Esplendor na Relva» de Elia Kazan, então paradigma do filme que expressava o conflito de gerações, então bem na ordem do dia, já que se vivia a ansiedade de levar o novo a vencer o velho, personificado nos pais autoritários e no regime repressivo.
Muitos de nós ainda desconheciam o lamentável papel de bufo, que o realizador assumira perante a comissão do sinistro MacCarthy, pelo que ainda não viam tal filme à luz do desejo de auto-justificação, que ele desde então perseguiria obsessivamente.
Mas, mais importante do que esse filme, o que o antecedera fora uma verdadeira revelação: «O Sétimo Selo» do realizador sueco.
Aquele jogo desigual entre o Cavaleiro e a Morte impressionava, porque desejaríamos o impossível, mesmo que soubéssemos o desenlace inevitável.
Mas a cena final em que a Morte leva vários personagens pela mão monte acima ficaria como uma das mais metafóricas em relação à cada vez mais omnipresente ideia de fim, que o envelhecimento vai cavando.
Nos anos seguintes procurei não perder nenhum filme do realizador. Na maioria encontravas-lhe algo de profundo e de inacessível aos meus então verdes anos.
Afinal, o 25 de Abril encontrar-me-ia ainda com 17 anos.
Nesse pós-Revolução tudo se aceleraria e eu próprio amadureceria. Quando se estreia «Lágrimas e Suspiros» já calou tão fundo em mim, que o vi quatro vezes de seguida. A cena de auto-mutilação de Ingrid Thulin seria das mais brutais, que o cinema me facultaria.
Mas hoje, dobrado o meio século de vida, está na altura de rever todos os filmes disponíveis de Bergman, pelo que eles me poderão motivar neste terço final da minha existência. Mormente, quando já não estará tão distante esse meu próprio jogo de xadrez com esse invencível campeão de xadrez.
Neste tempo em que o cinema tende a cingir-se ao papel de fútil entretenimento, saber-me-á bem o reencontro com um tipo de filmes como já raramente se fazem, mas que parecem substituir verdadeiramente um conjunto significativo de manuais de filosofia.
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