domingo, junho 15, 2008

Filme: «LIGHT SLEEPER», PAUL SCHRADER

Há uma greve na recolha do lixo o que torna a cidade ainda mais insustentável para quem nela vive. Como é o caso de John Le Tour (Willem Dafoe), que continua a ser dealer, mas vê o futuro ameaçado pelo iminente afastamento da sua patroa, Ann (Susan Sarandon), cujo projecto de vida passa por se dedicar a cosméticos.
Talvez por isso ele vive num estado de insónia permanente. A sua antiga toxicodependência, de que se livrara não há muito tempo, também é capaz de contribuir para esse aspecto de zombie, quer no contacto com clientes, quer com outros dealers.
Um deles, Jealous, incita-o a prosseguir com o negócio de Ann, quando ela se retirar. Mas ele não se sente com ânimo para tal projecto. Sabe que deverá mudar de vida, mas não sabe para quê já que não possui quaisquer poupanças de reserva.
É também um tempo de outras múltiplas ameaças: como uma rapariga de famílias privilegiadas terá aparecido morta com uma overdose num dos parques da cidade, há a expectativa de a polícia saltar em cima dos traficantes intermédios.
John ganha um outro estado de alma, quando reencontra Marianne (Dana Delany). Quatro anos atrás ela deixara-o para se submeter a uma reabilitação e abandonar de vez o mundo das drogas. Agora, embora nada lhe conte sobre o que faz ou com quem vive, ela orgulha-se de já estar «limpa».
O desejo de se tornar em «boa pessoa» leva-o a procurá-la, mesmo quando ela o deixa no hotel após uma noite de reencontro amoroso.
E é no hospital, que a vai rever, quando ela aí se encontra à cabeceira da mãe moribunda.
Ao mesmo tempo que procura reatar a ligação e apostar nela como porta de saída para um outro tipo de vida, John vê-se confrontado com um ultimato de um detective da Brigada dos Narcóticos: ou lhe entrega informações consistentes sobre quem vendera a droga à rapariga encontrada no parque ou ele próprio será preso.
Numa das suas vendas seguintes de produto, John encontra Marianne - a quem a mãe entretanto morrera - no apartamento de Tis, completamente pedrada e em óbvio mister de prostituta.
Seja por se ver desmascarada perante o antigo namorado, seja por qualquer outra razão, Marianne morre nessa mesma noite.
Sedento de vingança ele volta ao apartamento de Tis e provoca aí uma chacina como se fosse «anjo exterminador».
Já na prisão recebe a visita de Ann, a quem confessa o desejo por ela sentido…
Paul Schrader é daqueles cineastas norte-americanos de quem muito se esperou desde que assinou o argumento de «Táxi Driver», mas a quem a indústria não possibilitou grandes liberdades para explorar os seus temas de eleição.
Neste filme há a recorrência de alguns dos aspectos essenciais do filme de Scorcese, mormente o desencanto do protagonista com o seu contexto, embora nele permaneça um referencial de dignidade, que ele se esforça por preservar.
Se Robert de Niro procurava a conquista de uma mulher inacessível por ser de outra classe social, há no Willem Dafoe deste título a expectativa de uma redenção igualmente amorosa, que acaba por se revelar, afinal, tão impossível quanto aquela.
Na América carregada de lixo, no sentido restrito e no sentido literal, a droga acaba por funcionar como o filtro revelador de uma realidade mais crua, que as aparências e em que o direito dos indivíduos à felicidade adquire a mera dimensão da utopia.

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