quinta-feira, março 18, 2021

(DIM) Quando a Cultura se sobrepôs - uma vez mais - à má política

 

Por muito que sejam momentaneamente censuradas, silenciadas, porventura até queimadas nas fogueiras das Inquisições de vários carizes, as obras culturais acabam sempre por arranjar maneira de sobreviverem a quem as quereria eliminar, afirmando-se na sua existência muito para além da morte dos seus implacáveis, mas ineficazes, exterminadores.

Vem isto a propósito da entrevista de Paulo Alves Guerra a José Manuel Costa, diretor da Cinemateca, quase concluída com a evocação do episódio, ocorrido em 1985, em que o então presidente da câmara de Lisboa - um sujeito do CDS cujo nome nem merece ser referido - encabeçou uma turba de contestatários contra a antestreia do filme de Jean Luc Godard, Eu Vos Saúdo Maria. Que se tratava de uma verdadeira blasfémia para com a mãe de Jesus, assim o entenderam os que apostaram no impedimento da exibição do filme, cuja proibição tinham entretanto visto recusada.

Com paciência digna de Job, o pessoal da Cinemateca e a polícia lá pegaram pelos braços e pernas dos que tinham adquirido bilhete para a sessão, não a deixando iniciar, entoando ruidosas palavras de ordem e prometendo tudo escavacar. Uns conduzidos para a esquadra da Praça da Alegria, os demais aguentando ainda algum tempo do lado de fora dos portões do edifício da Barata Salgueiro, os seguidores do frustrado torquemada lá se dispersaram a ruminar a frustração do insucesso na intenção de impedirem a exibição do filme. Que, desde então, passa na programação normal das televisões sem daí resultar qualquer escândalo. Mas, convenhamos que no Portugal em iminência de se sujeitar a dez anos de sinistro cavaquismo, a vontade das direitas em censurarem tudo quanto ideologicamente as incomodassem, era prática corrente, que se viria a manifestar no seu esplendor, quando Santana Lopes e o seu subsecretário Sousa Lara impediram um romance de José Saramago de concorrer a importante prémio europeu.

Porque foi essa o remate da conversa na Antena 2, quando José Manuel Costa constatou mais uma grande vitória da Cultura sobre a má política.

Anteriormente comentara-se o facto de ser hercúlea a tarefa de organizar uma grande retrospetiva à obra do realizador tão vasta e diversificada ela é, ao mesmo tempo que Paulo Alves Guerra lhe lembrava confissão recente quando se comparou, no método criativo, a um músico de jazz, capaz de imaginar o que pretendia fazer, improvisa-lo e encontrar depois meios para lhe dar corpo num projeto com princípio, meio e fim.

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