domingo, março 28, 2021

(DIM) Barry Lyndon, Stanley Kubrick, 1975

 

Quando o Ideal Paraíso o repôs, uns quatro anos atrás, já não via Barry Lyndon  há umas bem medidas quatro décadas. A rendição foi incondicional. Se o filme me era particularmente grato pela banda sonora, com aquela que continua a ser a mais notável interpretação da Sarabande de Händel, recordava-o pela ascensão e queda de um arrivista com culpas a mais no cartório para desmerecer da punição sofrida.

Essa era, porém,  uma perspetiva injusta do que o filme de Kubrick representa. Sobretudo, porque distingue-se completamente dos desses anos 70, hoje tão incómodos de se submeterem à revisão por tudo aquilo parecer demasiado datado: os penteados, as roupas, os enquadramentos e, até mesmo, a fotografia invariavelmente baça. Ao invés, em Barry Lyndon tudo é tão magnífico, que se vê com a mesma frescura com que encaramos os filmes agora estreados e a vantagem de ser irrepreensível na exuberância classicista dos seus cenários e guarda-roupa.

A própria história está perfeitamente consonante com os nossos dias: não é difícil apontarmos exemplos de gente medíocre, mas com um alto conceito de si próprios, que aspiram a pular significativamente os degraus da ascensão social conhecendo abrupta queda como se ganhassem as asas de um Ícaro e elas lhes derretessem sem qualquer remissão. É o que sucede a Barry, um sem-vintém irlandês, que não consegue casar com a rapariga, por que suspirava e doravante fadado a percorrer a Europa em guerra para mostrar a valentia em sucessivas batalhas e alguns duelos. Os dotes de sedutor garantem-lhe o casamento com uma viúva abastada mas, tão-só investido de uma posição social, que erradamente julga garantir-lhe a inimputabilidade, Barry não pressente o que se vai lentamente tramando nas suas costas. Sobretudo, quando o filho morre acidentalmente e o priva da condição de pai do futuro herdeiro da fortuna. Quando cai das alturas onde julgava nunca mais ter de descer, está sem uma perna, pobre e sem ninguém em quem se apoiar.

Para contar esta história Kubrick recorreu a uma película, especialmente fabricada para o filme, que possibilitasse o recurso á luz natural nos exteriores e potenciasse a facultada por velas e candelabros nas de interiores. A montagem é perfeita sem ter de se socorrer das muitas habilidades da conhecida Thelma Schoonmaker  nos filmes de Scorcese. Aqui não se recorrem a truques para garantir o encadeamento entre os planos, porque tudo é milimetricamente executado como se de delicada obra de ourivesaria se tratasse.

E o que aqui testemunhamos é mais um exemplo da luta de classes com os poderosos a aceitarem renitentemente quem, de baixo, vem querer emparceira-los, mas mostrando uma crueldade fria, quando se trata de lhes demonstrar quão exíguo é o espaço que detém, nele não havendo cabimento, quem se julga com mérito para também o ocupar. Se lição há a reter do filme de Kubrick é quão vã é a ambição dos que julgam possível aceder ao topo social deixando para trás os seus irmãos de classe. Numa sociedade desigual, ou trata-se de a pôr em causa para a transformar e tornar mais justa, ou acabar-se-á por sofrer os efeitos dessa imoral diferença entre os poucos que tudo têm e a grande maioria, que por eles se vê explorado, amesquinhado, esmagado. Uma lição que Barry Lyndon só acolhe quando é demasiado tarde... 

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