quarta-feira, outubro 10, 2007

Maria Malibran na voz de Cecilia Bartoli

Será o grande acontecimento da temporada de música da Fundação Gulbenkian: a apresentação do programa romântico de Cecília Bartoli de homenagem a Maria Malibran. Será a 9 de Fevereiro de 2008 e, por esta altura, já não sobrarão decerto lugares disponíveis para ocupar o Grande Auditório da Avenida de Berna.
Para anteciparmos esse espectáculo podemos ouvir «Maria», o registo fonográfico, que a grande mezzo soprano italiana acaba de publicar e em que, acompanhada por instrumentos da época e, sobretudo, pelo grande virtuoso Maxim Vengerov no violino, ela interpreta árias outrora celebradas na voz da grande diva romântica do século XIX: «Infelice» de Mendelssohn, «Casta Diva» e «La Sonnambula» de Bellini.
Mas recordemos aqui alguns dos aspectos mais interessantes da curta vida dessa cantora nascida em 24 de Março de 1808 e cujas semelhanças com Cecília são, no mínimo, singulares: ambas estrearam-se no mesmo papel (a Rosina do «Barbeiro de Sevilha»), ambas eram mezzos e oriundas de famílias ligadas ao teatro lírico: quer o pai de uma, quer o de outra eram tenores.
Se a fama de Maria Malibran chegou aos nossos dias as razões são diversas, mas a mais relevante talvez seja a de não possuirmos qualquer registo sonoro da sua voz, o que permite mitificá-la. O que sabemos dela provém de quem disse possuir uma extensão de voz de três oitavas e primar pelo contraste entre extremos do registo.
Também a sabemos de uma tremenda diversidade de talentos: além de pianista, ela tocava harpa e guitarra, compunha música, pintava e desenhava figurinos, bordava, falava várias línguas e escrevia com desenvoltura.
Artista global avant la lettre, ela só em Paris não foi incensada, devido à sua vida íntima, que incluía um casamento precoce com um banqueiro falido - Eugéne Malibran - para se libertar da tirania paterna e uma relação extraconjugal com o violinista Charles Blériot, que lhe daria o único filho sobrevivente de sucessivas e indesejadas gravidezes.
Délacroix também contribuiria para o seu insucesso em Paris ao considerá-la exagerada na forma de expor em palco as emoções das suas personagens. No ambiente romântico dos anos 30 do século XIX havia quem não simpatizasse com o estilo arrebatado das suas interpretações. Mas Itália ou a Inglaterra celebram-na de forma tão irracional, que a santificam e chegam a espalhar o mito de curas extraordinárias para quem a ouvisse em palco.
Ela morreria aos vinte e oito anos na sequência das hemorragias internas subsequentes a uma queda durante um passeio a cavalo e que não teria sido propriamente involuntária: ela estaria a tentar livrar-se de mais uma gravidez incómoda para quem sentia a carreira de cantora lírica como a via para uma vida emancipada…
Lembrando personagens de Nicholas Ray, o percurso biográfico de Maria Malibran foi a de alguém que viveu depressa e morreu a tempo de constituir um bonito cadáver. Por isso ficou o mito agora celebrado por Cecília Bartoli...

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