segunda-feira, outubro 01, 2007

Anton Tchekhov: O Beijo

Já tanto mudou quanto aos hábitos amorosos dos ocidentais. Há século e meio a importância
de um beijo era tão determinante, que ele está no centro do conto de Anton Tchekhov. Quem
o vive é um jovem oficial de cavalaria do exército russo que, acampado na aldeia de Mestétchki,
fora um dos convidados para o serão em casa do rico proprietário Van Rabbeck.
Acontece que um engano o leva a uma sala imersa na escuridão onde é confundido com o clandestino amante de uma das jovens senhoras presentes e é objecto de furtivo beijo.
Aquela sensação muito breve deixa-o embevecido: qual das senhoras presentes teria sido a autora de tal gesto carinhoso? A pergunta torna-se numa obsessão. Tanto mais que, a exemplo
dos outros oficiais envolvidos nessa campanha ele tem pressa em constituir família, em aceder
ao estatuto e aos prazeres inerentes à condição de casado.
É por isso com uma secreta inquietação que ele regressa à mesma aldeia, esperando ver-se de
novo convidado pelo mesmo proprietário: terá então a oportunidade de esclarecer a identidade
da dona daqueles lábios e quiçá avançar para algo de mais consistente.
Mas, impaciente, ele desespera pela demora na chegada do emissário de tal convite e embrenha-
se na floresta: quando regressa ao seu acampamento já os colegas partiram para o tal serão. O emissário chegara enquanto ele se ausentara. E a maturidade advém-lhe desse fracasso: ele
acaba por se deitar, desistindo dos planos alimentados durante longas semanas...
Estamos, pois, num tempo de grandes pudores, quando a relação entre homens e mulheres obedecia a férreos condicionalismos… Como só subsistem em sociedades retrógradas nos nossos
dias…
A importância de um beijo foi, entretanto, bastante desvalorizada por esta sociedade em que
a sexualidade quase se banalizou por efeito da publicidade e dos mass media.

Sem comentários: