A leitura da entrevista com a bióloga Audrey Dussutour, na edição do Libération desta sexta-feira, causou-me viva impressão porque, mesmo tendo levado a vida a contactar, ou contrair, eczemas, micoses, candidas e dermatites várias, sempre as considerei benignas e as desprezei como coisas menores, superáveis com pomadas e comprimidos.
Que não é tanto assim diz a autora de Les champignons de l’Apocalypse, autêntico reportório de ideias para filmes de terror.
Mas Dussutour não escreve ficção. Fala de um mundo real — o dos fungos — que se revela muito mais vasto, resistente e perigoso do que a imaginação popular costuma admitir. São organismos antigos, discretos, mas onipresentes: colonizam solos, corpos, florestas e cidades, sobrevivendo onde quase mais nada sobrevive. A autora descreve um planeta silenciosamente dominado por eles, uma teia subterrânea que sustenta e ao mesmo tempo ameaça a vida.
Entre as histórias que relata estão as dos fungos que transformam formigas em zombies — controlando-lhes o comportamento até a morte —, os que exterminam espécies inteiras de anfíbios ou destroem plantações essenciais à alimentação humana. Mas o espanto maior é perceber que essa potência invisível também ronda os corpos humanos, invadindo pulmões, unhas, mucosas e, cada vez mais, sistemas imunológicos enfraquecidos.
Dussutour lembra que, enquanto os vírus e as bactérias atraem a atenção e os investimentos da ciência, os fungos permanecem em grande parte negligenciados — e, por isso mesmo, perigosos. Resistentes aos tratamentos, adaptam-se rapidamente e encontram terreno fértil nas alterações climáticas, nas viagens globais, nas condições hospitalares modernas. Um inimigo discreto, persistente, que não se anuncia com o estrondo de uma pandemia, mas com o lento avanço de uma mancha na pele, de uma infeção recorrente, de uma febre que não passa.
A leitura desperta uma sensação ambígua: fascínio e desconforto. Porque os fungos são também criadores — fabricam antibióticos, reciclam matéria, mantêm as florestas vivas. São ambíguos por natureza: salvadores e assassinos, alquimistas da decomposição. E talvez por isso Les champignons de l’Apocalypse seja mais do que um alerta científico; é um ensaio sobre o poder da vida em suas formas menos visíveis, sobre a força que cresce na sombra.
No fim, o que Dussutour parece dizer é que o apocalipse já começou, mas não com explosões ou meteoros — começou nos interstícios, nas fissuras da pele, no subsolo húmido, no invisível. E a única defesa possível talvez seja a consciência: olhar de frente o que antes ignorávamos, reconhecer nos fungos não apenas os inimigos que adoecem, mas também os mestres que lembram o quanto a vida depende, inevitavelmente, da decomposição de outra.






