segunda-feira, março 24, 2025

HISTÓRIAS EXEMPLARES: Leituras ligeiras ou não tanto assim!

 

A opção não é nova, se  nos lembrarmos do Sunset Boulevard do Billy Wilder, quando, logo à partida, percebíamos que a história de Norma Desmond seria contada pelo amante, um argumenista afogado na sua piscina.

Em Indignação o Philip Roth usa artifício semelhante para contar a história de Marcus Messner, um jovem judeu de Newark, que vai estudar para o Ohio e aí conhece quem acabará por lhe determinar a morte precoce.

Para um empedernido ateu não haverá nenhuma existência para além do momento do finamento, mas Roth coloca uma questão com alguma piada: e se ficasse de nós a memória, perdida num limbo intemporal em que tudo voltaria a ser equacionado para procurar entendimento sobre o que se acertou ou errou? O que deixaria para pessoas como a Elza uma questão pertinente: onde estaria essa memória algures perdida na intima e perdida guerra com o cérebro disfuncional? Quem me dera ter a resposta!

Noutra leitura, concluída por estes dias, tive o comissário Guido Brunetti a concluir mais um caso sem conseguir a devida punição do(s) assassino(s) de uma vítima merecedora da sua comovida consideração. Em A Rapariga dos seus sonhos a morta é uma miúda cigana de dez anos sujeita a uma vida terrível - já sexualizada na comunidade, como o indicia a gonorreia detetada na autópsia, e forçada a ganhar o sustento da família nos assaltos a casas com o gangue de cúmplices da mesma idade.

Colateralmente Donna Leon denuncia a corrupção na cidade dos doges, que a fazem tão pouco estimada nessa Itália para onde há muito foi viver, e exemplar demonstração de uma desigualdade gritante entre os muito ricos e os que tão pouco têm...

Leituras ligeiras num e noutro caso. Mas com muito que se lhes diga se as ponderarmos para além do nível mais básico da sua apreciação. 

sábado, março 22, 2025

Despudoradamente, preconceituoso me confesso!

 

O filme do Francisco Manso dedicado a Ruy Cinatti - O Voo do Crocodilo - teve o mérito de dar-me informações sobre um poeta de quem quase só conhecia o nome e o que uma exposição no Museu da Etnologia sugerira relativamente à ligação afetiva a Timor. Mas também me alimentou os reiterados preconceitos para quem era conservador, se não mesmo alinhado ideologicamente com o regime salazarista, e católico. 

Em suma, se vi o documentário com o interesse de colmatar uma ignorância, que não sentia indesculpável, também não alimentou o impulso para lhe procurar os poemas incensados pelos seus exegetas entre os quais Joaquim Manuel Magalhães. Até porque o 25 de abril, para além do incómodo com as alternativas progressistas à realidade lusa, não terá causado um sobressalto significativo na sua mundivisão por muito que o trabalho antropológico  continue a ser relevante para melhor conhecer os usos e costumes das populações nativas da antiga colónia lusa na Oceânia. Nesse sentido o seu trabalho será mais relevante em Dili do que neste cantinho à beira-mar plantado só afetivamente ligado ao que foi um passado cada vez mais submerso na História. 

quinta-feira, março 20, 2025

HISTÓRIAS EXEMPLARES: As dúbias ilusões heroicas

 

Ao ouvir Gouveia e Melo a elogiar Sacadura Cabral e Gago Coutinho num making of  da série a eles dedicada pela RTP confirmei-o como homem velho, desfasado deste tempo de “heróis” cada vez mais desajustados da realidade e paradigmas de ilusões, que disso não passam. O que não admira dada a conhecida propensão para se promover enquanto espécime de “príncipe perfeito” do nosso tempo.

Não é que as figuras dos dois navegadores aéreos desmereça admiração: eles demonstraram a determinação e o saber que permitiu salvarem-se de um projeto quase suicidário, porque falho de investimento bastante para o concretizar nas mais básicas condições.  Mas a campanha mediática em seu torno teve muito de catarse de um país  ainda iludido quanto à dimensão e importância do seu fantasmagórico império e que continuaria a ser sobre isso vigarizado pela contínua propaganda salazarista.

A monarquia lusa já demonstrara a pequenez, quando a Inglaterra a humilhou com o episódio do ultimato, que pôs fiz à ambição de concretizar o mapa cor-de-rosa. Depois, foi com o pretexto de manter as colónias africanas, que Afonso Costa mobilizou o país para as trincheiras da Flandres. E, cereja podre em cima do bolo, foi para preservar essa fraude, que Salazar mandou gerações de jovens avançar em força para Angola e, depois, para a Guiné-Bissau e Moçambique, quando a Europa estava a transformar em exploração económica neocolonial a que assentara em dominação política.

Na fundamentação de Sacadura Cabral junto do governo, que lhe esportulou uns dinheiros para o projeto, era óbvia a intenção de dar crédito à ideia imperial. Mas, fosse país economicamente forte e ele teria sido cumprido facilmente mediante os saberes dos dois aviadores. Não se justificaria explorar a veia “heroica” para o concretizar.

É essa a lição a tirar: baseemo-nos nas competências, ajustemo-las a objetivos tangíveis e potenciemos o retorno. Caso contrário, e se nos fundamentarmos no exclusivo voluntarismo, os resultados trágicos tornam-se prováveis. A menos que, como sucedeu com os aviadores, a sorte continue a enganar quem por ela queira ser enganado...

terça-feira, março 18, 2025

HISTÓRIAS EXEMPLARES: Monstros míticos e/ou íntimos

 

1. A Sirene de Nevoeiro é o primeiro conto do livro de Ray Bradbury com que encetei a procura do mesmo interesse em tempos despertado pelo Fahrenheit 451 ou pelas Crónicas Marcianas.

Confesso um início desconcertante, porque há algo de lovecraftiano nessa estória em que um monstro pré-histórico vem das profundezas oceânicas para destruir o farol onde McDunn e Johnny são os faroleiros. Com uma periodicidade regular ele vem anualmente  dar conta da persistência de um distante passado, que não se percebe bem por que vem assombrar o atual presente.

Essa faceta fantástica não era algo que suspeitasse incluída nas efabulações do autor. Razão para aguardar a descoberta de mais umas páginas para melhor ajuizar as intenções do autor..

2. Nunca nutri grande simpatia por Val Kilmer como ator, tanto mais que foram-se somando muitas notícias sobre conflitos com realizadores dos filmes para que foi sendo contratado. O feitio difícil pareceria condizer com os caprichos associados às operáticas prima donas.

Reconfigurei a opinião  a seu respeito ao ver o documentário Val, assinado por Leo Scott em 2021, adivinha-se que muito corealizado pelo ator. Ele surge-nos numa caricatura da imagem esbelta do passado e a voz degradada pelos efeitos do cancro, que lhe afetou a garganta, falando abertamente das suas perdas - a mais traumática terá sido a de Wesley, o irmão de quem mais próximo se sentia, e afogado num jacúzi por uma crise de epilepsia, quando tinha quinze anos.

É claro que não sinto empatia pela fé religiosa, que lhe serve de suporte, mas o documentário revela-se suficiente para reapreciar os seus desempenhos com outro olhar, menos afetado pelo preconceito, que me sugeria. 

sábado, março 15, 2025

APONTAMENTOS CINÉFILOS: Ser ou não ser cobarde perante a conjuntura social

 

Aquando da estreia de As Melhores Amigas o Libération  lamentou a opção da realizadora, Marion  Desseigne Ravel, pelo final conformista. Perante um contexto social, o das periferias urbanas, duas jovens magrebinas, Nedjma e Zina, optavam por adotar um comportamento convencional junto dos amigos e colegas de escola, optando por viverem a paixão sáfica no clandestino recato do terraço do prédio onde moram.

Para o crítico do filme seria mais reconfortante que, a exemplo de outros conhecidos pares românticos, de que Romeu e Julieta foram os mais glosados, tivessem a coragem de levar a mutua paixão até à rutura com os valores circunstanciais do seu contexto. Mas fica a questão: terá esse desejo de rutura verosimilhança com as vivências dos espectadores? Não estão eles habituados a silenciarem a revolta perante os insultos e humilhações, vindos de quem exerce sobre eles algum tipo de poder - no emprego, na escola, na igreja, nas ruas?

Às vezes gostaríamos que os filmes servissem de catarse para mitigarmos a frustração pelas pequenas cobardias a que nos sujeitámos, ou continuamos a sujeitar. Mas a vida real é outra coisa... 

quarta-feira, março 05, 2025

LABORATÓRIO DE IDEIAS: O pódio dos biltres

 

Contrariando o concurso, que erigiu Salazar como o mais idolatrado português do Século XX - caso de polícia, que deveria ter identificado quem pagou para uns quantos idiotas ligarem vezes a fio para o número de telefone destinado a consagrar essa vigarice! - não seria árdua a tarefa de alinhar argumentos para o consagrar como maior Biltre  português desse período. À miséria e à ignorância das populações, que se encarregou de impor, acrescentar-se-iam os muitos crimes cometidos pelos seus braços armados na Pide, na Legião e nas forças militarizadas, que assassinaram milhares de portugueses e africanos em nome de uma ideia de país ultramontano e beato.

Mas, se quisermos acolitar Salazar no pódio dos facínoras do luso século transato não podemos esquecer Sidónio Pais cuja ânsia de poder não conheceu limites, apossando-se do poder com a vontade de nele se comportar como um Rei absoluto.

O seu assassinato no Rossio dá coerência à possibilidade de existirem crimes políticos legítimos quando perpetrados contra quem tão ilegitimamente se comporta. Por exemplo poderia justificar-se o sugerido por estes dias por quem procura um Lee Oswald capaz de travar a distopia para que evolui a dita “democracia” norte-americana e, com ela, a sustentabilidade do planeta.

Quanto ao terceiro lugar no pódio não desdenharia ali ver “consagrado” um outro arrivista vindo de Boliqueime por constituir o mais sombrio legado destes últimos cinquenta anos. As suas malfeitorias confirmam o que em tantos ditadores se confirma: a catarse do complexo de inferioridade por terem nascido na remendada pequena-burguesia e ansiarem pelo conúbio com a endinheirada gente de cujos interesses se fazem provedores.

Basta ver em que tipo de berços nasceram Salazar, Sidónio ou Cavaco!

terça-feira, fevereiro 25, 2025

APONTAMENTOS CINÉFILOS: O fascínio das imagens de arquivo

 

Se revi Ana e Maurizio, o documentário que Catarina Mourão estreou em 2020 sobre o percurso místico de Ana Marchand, não foi pela empatia com o fascínio da artista pela cultura hinduísta, nem tão pouco pelo que dela resulta nas exposições em que tem sido pródiga.

É evidente que todos os rituais associados ás crenças da reencarnação de uma suposta alma me parecem absurdos e não é a crença nessa ligação mais do que genética ao seu tio Maurizio Piscicelli, que me levam a embalar em mais uma história da carochinha.

Interessa-me, sim, o que caracteriza a obra da realizadora, uma vez mais estimulada  pela redescoberta da memória a partir das imagens de arquivo a que acedem alguns protagonistas dos seus filmes.

No caso de Ana Marchand tudo começa com um livro de viagens publicado por esse tio-avô há mais de um século e tendo o Congo como foco. Será ao aprofundar a vocação artística desse familiar, que ruma à Índia e nela encontra uma solução catártica para as suas confessas fragilidades: o distanciamento dos que tinham sido os valores em que fora educada, e a levara a quase ser tentada a uma vida convencional, para optar por uma alternativa de rutura, que teria, de permeio, uma experiência traumática (o suicídio de quem se sentia afetivamente ligada)

A “iluminação”, que as viagens pela Índia - as de Maurizio e as suas! - propiciariam , subentende-se como resposta a íntima necessidade de estruturar uma caótica sensação de perdas sucessivas ... e de autocomprazimento com a idealização da sua pessoa, já não cingida a ela mesma, mas enquanto fase transitória de sucessivos estágios até ao prometido desenlace libertador.

Confesso que o fascínio pelos retratos do passado - mormente os dos meus próprios familiares! - não radicam na mesma expetativa de descobrir-me a reencarnação de quem quer que seja. Como diria o Fernando Botero, sou único e em mim me extinguirei. Mas fica sempre a curiosidade quanto a saber quem seriam esses desconhecidos, que se foram reproduzindo, gerações após gerações, para deles surgir como rebento. 

terça-feira, fevereiro 18, 2025

APONTAMENTOS CINÉFILOS: Quando a vitória não é propriamente dos que parecem ganhar


É um filme a que apetece voltar amiúde por ser daqueles em que cada revisão traz novidades sobre quanto passara antes despercebido: Os Sete Samurais é uma belíssima obra-prima, que Akira Kurosawa rodos em 1954 e teve pálida réplica seis anos depois, quando John Sturges transferiu para o faroeste a mesma história: a de uma aldeia de pobres agricultores em vias de serem atacados por um miniexército de bandidos, socorrendo-se, em desespero de causa, de sete ronins, samurais sem patrão, que acedem a defendê-los em troca de comida.

Kurosawa é brilhante na forma como ilustra as tensões iniciais entre os camponeses e os que os vêm defender havendo entre uns e outros uma enorme diferença social de valores e mundividências.

É a luta de classes como não poderia deixar de ser. Mas, como tantas vezes sucedeu na História, todos  sacodem as contradições e convergem na defesa do interesse comum, para obterem a improvável vitória à chuva.

Essa fase final do filme é notável na forma como o realizador a fez possível numa época em que os efeitos especiais eram tão limitados. E, recorrendo a outras inovações - a menor não terá sido o recurso á câmara lenta - tornar-se-ia numa referência para tantos realizadores, que o incensaram como seu putativo formador.

Coppola foi um deles e tudo faria para dar a Kurosawa a possibilidade de rodar filmes numa altura em que, no Japão, o davam como artisticamente morto e enterrado. E algum do western spaghetti de Sergio Leone também nele colheria inspiração.

No rescaldo da vitória, Kambei, o chefe dos sete guerreiros, compreende que ela é pertença dos camponeses, porque os três sobreviventes são meros testemunhos de uma época que, nesse século XVI, começava a ser obsoleta. Sem o terem compreendido de início, os sete heróis concluíram com uma luta justa a condenada gesta  face à entrada em cena dos comerciantes europeus e o recurso às armas de fogo. 

sábado, fevereiro 15, 2025

HISTÓRIAS EXEMPLARES: Uma praga exasperante e irracional

 

Ando amofinado com a indústria turística: apesar do interesse que teria em lá levar a Elza a passear deixámos de frequentar os bairros lisboetas, que viram os habitantes genuínos trocados pelos turistas dos alojamentos locais. Também já não sei há quanto tempo não entramos na Torre de Belém, ou nos Jerónimos, descoroçoado pelas filas de camones, que aí se aprestam a tomar de assalto os nossos monumentos. Também Sintra se tornou território proibido depois de, na última vez em que fomos ao Palácio da Pena, ter-nos sentido ovelhas conduzidas por estreito percurso como se direcionado para um qualquer redil.

Numa altura em que os termómetros denunciam o acelerado aquecimento do planeta a indústria turística é a mais irracional do ponto de vista ecológico. Por poucos euros as transportadoras low cost movimentam multidões, que parecem contentar-se em chegar aos sítios mistificados e recolher fotografias para, nas redes sociais, provar ter.se ali estado. Será que, no íntimo, isso satisfará os presumidos viajantes? É que; às tantas, esses sítios já nada têm de semelhante com quanto lhes deu a importância mediática. Vide o caso de Veneza sobre a qual o professor Carlos Cupeto, da Universidade de Évora, deu na Visão esta peculiar descrição:

A  alma de Veneza perdeu-se, a cidade converteu-se num parque temático tipo Disneylândia onde chineses vendem a outros chineses por um euro, máscaras venezianas fabricadas na China. Um exército de dezenas de milhões de turistas por ano torna a cidade dos sonhos românticos um inferno e os poucos venezianos que restam estão saturados e desiludidos. Os voos baratos e os cruzeiros levaram à extinção da cidade e as autoridades italianas não sabem o que fazer.

Há uns vinte e tal anos, quando ali estivemos da última vez, lembro-me de passarmos a ponte do Rialto com a sensação de nem sequer termos conseguido pousar os pés no chão levados pela multidão, que nos arrastava na sua corrente. Então colhera sensação mais grata escapulindo-me para as periferias da cidade, descobrindo aqueles bairros mais distantes da Praça de São Marcos, que os turistas não frequentavam. E aí sim ainda encontrámos a graça antiga da cidade, quer nos estaleiros de gôndolas do Dorsoduro, quer na ilha de San Michele vista ao virar de uma esquina onde se concluía um dos canais da cidade. E também foi possível estar à noite no Florian a ver o pequeno ensemble tocar as músicas mais apelativas da época numa altura em que a cidade se esvaziara dos seus invasores.

Hoje, pelo que posso adivinhar, nem nessas zonas se conseguirá escapar à exasperante praga.

quinta-feira, fevereiro 06, 2025

HISTÓRIAS EXEMPLARES: Uma avalanche no Quirguistão

 

Há já uns bons anos íamos na estrada de Manteigas par Gouveia para almoçarmos o afamado arroz de feijão com entrecosto, quando vi um carro às cambalhotas na nossa direção.

Ciente de ser preferível receber o choque parado do que em colisão parei o carro e aguardei pelo que sucedesse.

Felizmente ele fez-nos uma tangente e foi parar na posição normal já fora da estrada. De lá de dentro saiu um rapariga aos gritos contra o condutor, um rapaz manifestamente imprudente na tentativa de lhe revelar a perícia ao volante.

Uma vez mais eu vira cumprido um dos ensinamentos propiciados pela experiência profissional: perante o que não se controla mais vale não nos precipitarmos e, aguardando a forma como evolui, logo encontrar a reação mais prudente.

Pode ter sido isso que sucedeu ao britânico Harry Shimmin quando, em 2022, sobreviveu  - com mais nove norte-americanos - a uma avalancha de neve, quando percorriam uma zona montanhosa do Quirguistão. Embora submerso pela neve e pela poeira, saiu incólume da inesperada experiência.

Ainda assim não deixa de fazer sentido a questão posta por muitos internautas confrontados com a filmagem do sucedido, quanto a ter ou não sido mais inteligente parar com a recolha do testemunho e pôr-se a correr dali para fora. Na mesma linha, aliás, dos que se questionaram porque, durante o tsunami do Natal de 2004, houvesse quem persistisse em filmar as águas, que os iriam tragar.

No seu carácter viral as imagens de Shimmin ilustram uma outra abordagem adicional: a de existir uma potencial diferença entre o lado aprazível das viagens pelas montanhas, tais quais são publicitadas pelas agências turísticas, e os riscos de vida que, de facto, comportam.

terça-feira, fevereiro 04, 2025

APONTAMENTOS CINÉFILOS: Os Grandes Criadores

 

Quando me acenam com propostas a respeito do processo criativo fico a salivar de interesse. O surgimento de algo de novo nas artes é matéria aliciante por corresponder ao interesse maior de aferir como, de algo existente, se pode construir o profundamente novo, quiçá mesmo revolucionário.

Foi com essa expetativa, que me pus a ver Os Grandes Criadores, filme rodado em 2020 e 2021 por Ramon de los Santos e Elisa Bogalheiro a pretexto dos 25 anos passados sobre a fundação da Companhia de Teatro do Chapitô. E ela viu-se razoavelmente satisfeita, quanto mais não seja por valorizar um coletivo algo subestimado entre nós por ser associado ao lado circense da mesma instituição e isso constituir motivo para serem vistos com injustificado preconceito. Razão desconhecida além-fronteiras onde ele goza de merecido reconhecimento.

Em causa está quem conseguiu organizar um espaço de experimentação de novas linguagens cénicas para compensar os meios escassos investindo-se na imaginação e na opção por uma maior expressão corporal,

Isso mesmo é evidenciado num conjunto de excertos sobre muitos dos espetáculos propostos nesse primeiro quartel de vida com justificado destaque para o que sugeriu o título ao documentário no qual houve a capacidade para por o público a gargalhar com um texto irresistivelmente blasfemo (uma delícia para um ateu como o sou!). Mas o mesmo nível de provocação também contido no Napoleão ou o Complexo de Édipo apresentado pouco antes da pandemia.

Um bom estímulo para quem puder ver o Rei Lear a partir de 1 de março.