domingo, abril 17, 2016

DIÁRIO DAS IMAGENS EM MOVIMENTO: «O Museu Ermitage de São Petersburgo» de Margy Kinmonth

Uma das mais significativas frustrações da minha carreira de apreciador de museus, foi estar menos de dez horas em Leninegrado, ter perdido a manhã em afazeres profissionais, e só à tarde ter tentado ir ao conhecido Museu criado por Catarina, a Grande, para, no mínimo, sentir que tinha ido além da sua entrada. É claro que não ambicionava percorrer as suas duas mil salas nem conhecer atentamente as suas mais de 3,6 milhões de obras de arte, mas sentir o que Durrell definiu como o «espírito do lugar».
Como estávamos ainda em plena perestroika, a cidade parecia quase saída do cerco alemão da Segunda Guerra Mundial, com crateras imensas nas suas ruas e edifícios mal conservados. Com dois colegas de trabalho, igualmente apostados em partilhar a experiência, palmilhámos vários quilómetros ao longo do rio Neva até chegarmos duas horas depois à porta do museu.
Olhámos, então, para os relógios, fizemos contas ao tempo em falta para a hora da partida do navio e foi inevitável a decisão de virar em sentido contrário regressando no mesmo passo acelerado ao paquete «Funchal».
Se um filme italiano dos anos 50 ficou mais conhecido pelo nome - «Ver Nápoles e depois morrer» - do que pela sua valia artística, passei a lembrar-me da cidade de Pedro, o Grande, como aquela que fica recordada como a de ter visto o Ermitage e depois … voltei para trás.
Como não tive a oportunidade de ali retornar o documentário de Margy Kinmonth, realizado por ocasião do 250º aniversário do Museu, constitui um paliativo muito satisfatório. Por permitir a admiração pelo fausto monumental da sua decoração interior, pela riqueza da coleção de arte, que vai de artefactos arqueológicos da Antiguidade até Picasso e por uma História rica em vicissitudes, sobretudo por quanto tal espólio esteve em causa durante a Primeira Guerra Mundial, no assalto ao Palácio de Inverno ali ao lado, no período estalinista ou no cerco nazi durante os novecentos dias mais sofridos pela população da cidade.
Mais do que museu nacional, o Ermitage representa a alma russa, seja lá o que isso significar. Mas se o futuro me reservar a possibilidade de, durante alguns dias, me sentir ali fisicamente presente, o interesse maior será o de ver as obras de Leonardo da Vinci, Miguel Ângelo, dos impressionistas franceses, de Matisse, Kandinsky ou Malevich.
O interesse do documentário reside igualmente no testemunho dos seus principais responsáveis, que revelam as áreas mais reservadas da instituição e as estratégias de financiamento, hoje traduzidas na apresentação de peças da coleção em exposições itinerantes um pouco por todo o mundo.
Não é esquecida a intenção de fazer dialogar as peças da coleção com as de criadores contemporâneos, como é o caso de Antony Gormley, cuja exposição ainda causou alguma incomodidade a quem continua avesso aos novos rumos da arte atual. É que anos de rigidez política formataram os russos a manterem um padrão de apreciação artística muito conservador.
Finalmente e, embora muito de passagem, não são esquecidos os belíssimos gatos, que vivem nas catacumbas do edifício e constituem há muito tempo as suas mais conhecidas mascotes.

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