sexta-feira, abril 01, 2016

DIÁRIO DAS IMAGENS EM MOVIMENTO: Mildred Pierce (2011)

Com cinco anos de atraso vi finalmente a série, que valeu a Kate Winslet alguns dos mais prestigiados prémios para interpretações televisivas (Emmy, Globo de Ouro).
Na origem do projeto está o romance de James M. Cain (autor do conhecidíssimo «O Carteiro Toca Sempre Duas Vezes»), escrito em 1941 e exemplo paradigmático do que era o género «hard boiled» dentro do policial: não existem propriamente crimes de sangue, mas há toda uma atmosfera psicológica capaz de os suscitar. A exemplo do que Simenon ia fazendo na Europa há o estudo psicológico e social dos personagens, que ajudam a explicar a forma como agem.
Nas cenas iniciais do primeiro dos cinco episódios estamos na Grande Depressão, quando muitos negócios faliram e a miséria era uma realidade mais do que tangível para as famílias outrora habituadas a situarem-se na classe média.
Divorciada do marido, que a trocou por outra mulher, Mildred consegue ter sucesso no negócio da restauração, assegurando assim a educação da filha que lhe restara, depois da morte súbita da mais nova, quando se ausentara um fim-de-semana para um breve interlúdio amoroso.
Veda revela-se, porém, uma rapariga mimada e sem escrúpulos. A mãe acredita no seu talento musical e por isso arranja-lhe um conceituado professor de piano. Mas, tão só chegada ao fim da adolescência, ela sente que não conseguirá ser bem sucedida nessa vertente artística e interessa-se muito mais por uma vida boémia, que realça a monstruosidade do seu carácter.
Quase sem querer acreditar no que vê, Mildred conclui que a filha é capaz de fingir uma gravidez para chantagear uma família aterrorizada com a possibilidade de a integrar no seu seio. Continuamente Veda culpabiliza a progenitora por a ter feito nascer num subúrbio pequeno-burguês e vocacioná-la assim para uma existência medíocre.
Aparecera, entretanto, em cena Monty Beragon, um dandy sedutor e sem cheta, a quem Mildred paga as contas em troca do prazer carnal por ele proporcionado.
Os anos vão passando, o negócio poderia prosperar, mas ela acabará por falir ao pretender dar tudo o que tem, e o que não tem, quer à filha, quer ao amante, até ao dia em que os descobre na cama. Mas até a zanga, que se segue, servirá a Veda para dar satisfação à sua desmedida ambição, porque do confronto com a mãe resulta uma suposta lesão na garganta e, ela que se tornara numa soprano muito prometedora, aproveita para se fazer despedir pelos patrocinadores a que estava ligada contratualmente para se transferir para outros em Nova Iorque dispostos a pagarem muito mais pela sua rara coloratura.
Muito embora tenha pretendido respeitar fielmente o romance de Cain - até por tal ter sido impossível na versão cinematográfica de 1945, que valera um Óscar a Joan Crawford - pode-se suspeitar que Todd Haynes sentiu a tentação de um final aberto do que a solução mais fácil para os espectadores: acabasse o filme no momento da descoberta da traição de Monty e de Veda e da suposta lesão na garganta, que afetaria definitivamente esta última, e seria porventura o epílogo mais interessante. Mas o happy ending é garantido com o regresso de Mildred aos braços do ex-marido, entretanto convenientemente liberto da ligação com a viúva por quem a trocara nove anos antes.

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